quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

Dia Internacional da Filosofia na ESAS
Por: Domingos Faria

Na Escola Secundária Alberto Sampaio, no dia internacional da filosofia (18 de Novembro de 2010), houve uma palestra do filósofo J. M. Curado subordinada ao tema “Platão, Alegoria da Caverna e a Mão que vem de Fora”.

Vamos seguidamente expor as principais linhas da sua reflexão, nomeadamente os aspectos que consideramos mais pertinentes. Fazemos notar que todos os possíveis erros de interpretação ou de infidelidade à mensagem da palestra são da nossa responsabilidade.

Começou-se por fazer notar que a Alegoria da Caverna é uma das páginas mais famosas da filosofia, e que comummente tem sido interpretada à luz do nosso mundo; mais precisamente constitui uma resposta ao seguinte problema: como é o nosso mundo ou a realidade? No entanto, a actividade de qualquer filósofo deve ser pensar sempre de novo; e, é a tarefa de re-pensar a Alegoria da Caverna que J. M. Curado nos sugere. Neste re-pensar podemos passar por três estádios: [1] atendendo à palavra “caverna”; [2] a “caverna” que tem a ver com nós mesmos; e [3] a mão que vem de fora (um “alguém” que puxa as pessoas para fora da caverna).

Analisando o primeiro estádio, J. M. Curado salientou que a Alegoria da Caverna normalmente serve para pensar a condição humana. Porém, existem outros aspectos a considerar. Por exemplo, todos os santuários gregos tinham uma gruta (caverna artificial) onde todos eram iniciados nos mistérios; este estar na caverna significava entrar no outro mundo. Assim, poderia acontecer que Platão não tivesse a escrever uma alegoria (ou algo metafórico da condição ou realidade humana), mas sim algo real que acontecia nas grutas dos santuários gregos. Então, qual será a melhor interpretação da Alegoria da Caverna? Será necessário pensar melhor sobre isto! Mas, vamos para outra questão: o que acontece se alguém estiver numa caverna ou numa gruta “a não fazer nada”? Este “não fazer absolutamente nada” dentro da gruta altera significativamente o comportamento das pessoas, principalmente o estado da consciência. Existe uma espécie de medo de estar dentro da gruta a não fazer nada (algo que foi experienciado com estudantes universitários, o que os levou a ter alucinações e alterações da consciência). Voltando às cavernas gregas, estas eram sítios para profetizar, para alterar o estado da consciência, para ir ao além e ver o além, para se iniciarem as pessoas nos mistérios sagrados. J. M. Curado advogou que a interpretação, do livro VII de Platão, como uma alegoria, e não de uma forma literal, deveu-se essencialmente ao cristianismo, em que se começou a interpretar a gruta como uma metáfora (pois, para o cristianismo a gruta tinha conotações muito negativas).

Para além disso, num segundo estádio deste re-pensar J. M. Curado levou-nos a interrogar: se procedermos a uma actualização da mensagem platónica, terá ela algo a ver connosco? Constatamos que hoje em dia nos sentimos limitados; somos mais cépticos, movemo-nos com mais dificuldade nas nossas certezas, deparamo-nos com limites do nosso conhecer; em suma, nós chocamos com as paredes da nossa caverna, pois, sabemos muito pouco sobre o nosso mundo, sobre a realidade, e a nossa capacidade de conhecer é extremamente limitada – Assim, estamos muito limitados tal como os seres de Platão dentro da caverna. Portanto, Platão ao falar dos limites da caverna também poderia estar a referir-se aos nossos próprios limites, e à diferença entre o que conhecemos e o que não conhecemos, entre conhecimento vs ignorância. Nesta linha de interpretação, as pessoas que estão dentro da caverna são “nós mesmos” (com os mesmos universais humanos e estruturas da realidade). Daqui podem emergir algumas questões: Porque parece que vivemos dentro da caverna? Qual é o tamanho da nossa caverna? Resposta: A caverna onde vivemos é o limite do nosso conhecimento. Mas, porque estamos dentro de um sistema, caverna, que limita o nosso conhecimento? Analisando melhor, percepcionamos que a mente humana é um pequeno mundo (em que tem compressão algorítmica, que resume os dados observados, que resume e simplifica o mundo, etc). Igualmente a mente humana tem uma capacidade de ser regional ou paroquial, em que atende ao que se passa no nosso ambiente mais imediato. Concomitantemente, para conhecermos algo não precisamos de conhecer tudo. Então, voltamos a formular: porque as pessoas de Platão vivem numa caverna? Porque conhecemos sempre de forma local, paroquial, limitada (sempre susceptível a revisões); e não conhecemos o infinito ou tudo de uma forma absolutamente certa sem margem para a mínima dúvida. Assim somos pessoas muito limitadas, em que transportamos uma “caverna” dentro das nossas cabeças. Para além da constatação destes dados, a nossa mente ou “caverna” é bastante complexa onde tem, por exemplo, muitos paradoxos lógicos e com processos cognitivos bastante lentos. É claro que a nossa mente e inteligência poderia ser muito mais simples (aliás, Platão poderia pensar numa caverna bastante mais simples); porém, nós não somos assim tão simples. Temos uma vida complexa dentro da caverna (uma vida de trabalho, estudo, alegrias, tristezas, amizades, etc), mas não deixa de ser uma vida muito limitada.

Por fim, no último estádio, J. M. Curado reflectiu sobre uma mão que vem de fora. Mas, qual é esta mão? Esta mão é “alguém” que vem de fora e auxilia a pessoa que está “lá dentro” para se libertar. Mas, quem é este “alguém”? É alguém que já se libertou da caverna; mas, quem será este primeiro que se libertou a si próprio? Não se encontrou resposta para esta questão.

Apesar disso, vimos nesta palestra como podemos hoje interpretar a caverna e os limites do nosso conhecimento. A caverna é maior do que pensamos e a nossa vida está dentro da caverna (aliás, é dentro da caverna que recebemos presentes, namoramos, estabelecemos amizades, trabalhamos, estudamos, nos divertimos – acaba por ser até algo de bom). Então perguntemos a Platão: porque é que devemos sair da caverna se é bom viver na caverna? Valerá a pena sair da caverna? Fica a questão...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Caros amigos,


É com muita satisfação que vos convido para as comemorações do "Dia Internacional da Filosofia"/10ª sessão de apresentação do meu livro "Vozes do Pensamento" - "Da Filosofia e da Poesia no Feminino", 19/11/2010, 14.30h, Escola Secundária José Falcão, Miranda do Corvo.

A vossa presença e participação é fundamental!

Saudações poético-filosóficas,

IR
PORQUÊ DEUS SE TEMOS A CIÊNCIA?

MANUEL CURADO (Org.) (Outubro de 2009)

"Deus não se vai embora. Todas as pessoas mais cedo ou mais tarde têm de ter uma posição sobre a existência de Deus. Não se conhece nenhuma sociedade que não tenha crenças e comportamentos religiosos. Estes dois factos são extraordinários. Se existissem excepções, a vida humana seria radicalmente diferente. Pensemos em indivíduos hipotéticos que vivessem toda uma vida sem se questionarem sobre a existência de uma entidade criadora do que existe ou a fonte do sentido para a existência do homem e do mundo. Este é um exercício difícil porque não reconhecemos traços de humanidade nesses indivíduos hipotéticos. Talvez algumas pessoas tenham sido e sejam assim. Talvez. É justo, contudo, afirmar a seu respeito que lhes falta algo, como se a grandeza da condição humana passasse obrigatoriamente por uma relação pessoal com a questão de Deus. O mesmo poderia ser afirmado a respeito de uma sociedade que não tivesse crenças religiosas, comportamentos abertamente religiosos e em que ninguém apelasse ao religioso. A imaginação de uma sociedade deste tipo é ainda mais violenta porque ainda mais improvável. Seja como for, a relação entre os seres humanos e o religioso é inesgotável. O presente volume procura compreender alguns dos aspectos dessa relação. ...
Estamos perante um choque de titãs. A explicação religiosa da realidade não parece admitir a explicação científica, e vice-versa. Deriva isto de vivermos num mundo que só tem uma verdade? Deriva isto das limitações das estruturas cognitivas dos seres humanos? Deriva isto do estado de conhecimento científico que alcançámos? Ninguém tem ainda a certeza de como responder a estas questões. Não sabemos se a aparente incompatibilidade entre a Religião e a Ciência é circunstancial ou constitutiva. O debate está aberto e, tanto quanto pode ser percebido, está para durar."
http://www.fronteiradocaoseditores.pt/rpensamento.php

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DECLARAÇÃO DE PARIS EM PROL DA FILOSOFIA

Nós, participantes nas Jornadas Internacionais de Estudo «Filosofia e Democracia», organizadas pela UNESCO, que tiveram lugar em Paris, nos dias 15 e 16 de Fevereiro de 1995, constatamos que os problemas de que trata a filosofia são os problemas da vida e da existência dos homens considerados universalmente.

Entendemos que a reflexão filosófica pode e deve contribuir para a compreensão e a orientação das preocupações humanas; consideramos que a actividade filosófica, que não retira nenhuma ideia à livre discussão, que se esforça por precisar as definições exactas das noções utilizadas, verificar a validade dos raciocínios, examinar com atenção os argumentos dos outros, permite a cada um aprender a pensar por si mesmo; sublinhamos que o ensino filosófico favorece a abertura de espírito, a responsabilidade cívica, a compreensão e a tolerância entre os indivíduos e entre os grupos.

Reafirmamos que a educação filosófica, formando espíritos livres e reflexivos, capazes de resistir às diversas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusão e de intolerância, contribui para a paz e prepara cada um para assumir as suas responsabilidades perante as grandes interrogações contemporâneas, designadamente no domínio da ética, julgamos que o desenvolvimento da reflexão filosófica, no ensino em vida cultural, contribui de forma importante para a formação de cidadãos, exercendo a sua capacidade de julgamento, elemento fundamental de toda a democracia.

Por estas razões, comprometendo-nos a fazer tudo o que estiver em nosso poder, nas nossas instituições e nos nossos países respectivos, para realizar estes objectivos.

Declaramos: Uma actividade filosófica livre deve ser garantida a todos os indivíduos, em toda a parte, sob todas as formas e em todos os lugares onde se possa exercer.

O ensino filosófico livre deve ser preservado ou alargado onde já existe, deve ser criado onde ainda não existe, e deve ser nomeado explicitamente «filosofia».

O ensino filosófico deve ser assegurado por professores competentes, especialmente formados para o efeito, e não pode ser subordinado a nenhum imperativo económico, técnico, religioso, político ou ideológico.

Permanecendo autónomo, o ensino filosófico deve ser, em toda a parte onde for possível, efectivamente associado, e não simplesmente justaposto, às formações universitárias ou profissionais, em todos os domínios.

A difusão de livros acessíveis a um grande público, tanto pela sua linguagem como pelo seu preço de venda, a criação de emissões de rádio e de televisão, de cassetes áudio ou vídeo, a utilização pedagógica de todos os meios audiovisuais e informáticos, a criação de múltiplos lugares de debates livres, e todas as iniciativas susceptíveis de fazer aceder o maior número a uma primeira compreensão das questões e dos métodos filosóficos devem ser encorajados, para constituir uma educação filosófica dos adultos.

O conhecimento das reflexões filosóficas das diferentes culturas, a comparação dos seus contributos respectivos, a análise do que as aproxima e do que as opõe devem ser perseguidos e apoiados pelas instituições de investigação e de ensino.

A actividade filosófica, como prática livre da reflexão, não pode considerar nenhuma verdade como definitivamente adquirida e incita a respeitar as convicções de cada um, mas não deve em caso algum, sob pena de se negar a ela mesma, aceitar doutrinas que neguem a liberdade de outrem, achincalhando a dignidade humana e originando a barbárie.

Todos os anos, em Novembro, a Unesco dedica um dia à Filosofia.

www.unesco.pt

IR

DIA INTERNACIONAL DA FILOSOFIA

Quinta-feira, 18 de Novembro de 2010

Em 2002, a UNESCO instituiu a celebração do Dia Internacional da Filosofia na terceira quinta-feira do mês de Novembro de cada ano, ciente da importância que o questionamento filosófico assume para o diálogo entre os povos, onde cada um se deverá sentir livre de participar, segundo as suas convicções, em qualquer lugar, contribuindo para a progressiva tomada de consciência da nossa comunidade de condição: a humanidade.

IR

terça-feira, 26 de outubro de 2010

PORTUGAL: UM PAÍS INVENTADO, por Agostinho da Silva

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LIBERDADE E DESTINO, por Agostinho da Silva

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Um outro Mundo", por Isabel Rosete

A monotonia congela-me o cérebro. Irrita-me a alma, ávida do sempre novo, do constantemente diferente, da metamorfose, do mistério, do enigma, de todas as incógnitas escondidas, algures, por esse Universo imenso.

A minha alma suplica pelo desafio do desconhecido, do nunca visto ou imaginado. Do impensado e do impensável. Do ainda não sonhado. Caminha, só, para o impossível, para o reino eterno da ausência de limites. Foge do efémero rumo ao paralelamente ilimitado. Percorre todos os caminhos, até mesmo os mais recônditos e íngremes, para a Verdade alcançar.

A minha alma procura a inocência primeira, a leveza do Ser de todas as coisas – apesar do peso do Mundo animadas e inanimadas, terrestres e celestes, no seio dos dois lados, nem sempre coligados, da quadratura perfeita: os Homens, a Terra; os Deuses, o Céu.

A minha alma busca o infinito, na esperança de encontrar um mundo novo, exemplar. Este já está gasto, saturado, desgovernado, caótico, demasiadamente costumeiro, vulgarizado por uma escala de valores invertida, para quem deseja ver mais longe, para além das ilusórias aparências que ofuscam o olhar primogénito.

A minha alma procura, sem cessar, a Liberdade do eu e do outro, esse espaço aberto da expansão total do Tudo, onde não há o acaso, nem o vazio, nem o nada.

A minha alma quer percorrer os círculos viscerais de todos as criaturas, porque ama a Totalidade, na sua grandeza; porque foge aos estreitos limites do Tempo, do Espaço e do Destino. Vagueia por todos os lugares. Não cabe dentro de si mesma. Anseia o Aberto, onde tudo se funde, em perpétua comunhão com o Ser, o Estar, o Pensar e o Agir

A minha alma pensa o Mundo e esmorece, de imediato, perante o desordenado cenário da miséria humana. Quer mudar o Mundo, a Humanidade perdida, a mente das gentes agrilhoadas à mesquinhez do mero sobreviver e às acabrunhadas correntes dos preconceitos. Quer ultrapassar as barreiras do Tempo e do Espaço. Quer ser eterna e, nessa eternidade, mover o Cosmos na sua majestosa beleza, pelas mãos criminosas agonizada.

Não é narcísica. Vê-se ao espelho. Reconhece a sua própria identidade. Sofre com todos os “Epimeteus”… Deseja todos os “Prometeus”… Sente-se, de novo, só, desamparada, neste espaço astral des-humanizado, que não suporta a disparidade da alteridade, o brilho das Estrelas ainda iluminadas.

A minha alma quer renascer num Mundo novo, com a hierarquia axiológica adequada, onde os anti-valores sejam completamente destronados. Num Mundo sem rótulos, sem rebanhos, sem discriminação, sem congeminações forçadas e infundadas.

A minha alma quer crescer no topos infinito de todos os oceanos, limpos, na clareira das florestas oxigenadas pelo espírito divino de uma criação imaculada.

Isabel Rosete
http://isabelrosete.blogspot.com/

domingo, 24 de outubro de 2010

"Um homem sem profissão nem esperança", Luís Antônio Giron

A busca de textos escondidos é uma dengue literária bem brasílica. Mesmo assim, a obra inédita do escritor paulistano Oswald de Andrade constituiu seara pouco escrutinada pelos caça-fantasmas do verbo. O motivo talvez seja este: a produção final do agitador do Modernismo não reserva aos leitores e aos críticos o traço explosivo de seus textos de juventude e, de certo modo, é destituída daquilo que os teóricos denominam “literariedade”, ou, em palavras mais simples, valor de troca literário.
A maior parte do que Oswald escreveu entre a metade dos anos 40 até sua morte, em 22 de outubro de 1954, aos 64 anos, resume-se a fragmentos de memórias e romances, lamentações sobre a falta de inspiração, cartas e Telefonemas – minicrônicas que publicou no carioca Correio da Manhã a partir de 1944, como correspondente de São Paulo; a propósito, o derradeiro texto da coluna saiu no dia seguinte de sua morte.

Nos estertores da criatividade do escritor, há passagens impublicadas impublicáveis, se o critério da excelência poética for levado ao pé da letra. Existem, por outro lado, textos reveladores da personalidade desse escritor ainda não contemplado com uma biografia e nem com a admiração por parte considerável da crítica.
Muito do artista está para ser trazido à luz. A maior parte de seus manuscritos foi doada pela família ao Centro de Documentação Alexandre Eulálio (CEDAE), da Universidade de Campinas e forma o Fundo Oswald de Andrade, aberto ao público.

Com base no arquivo e em documentos ainda em posse da família do escritor, o crítico literário Jorge Schwartz organizou o volume Obra Incompleta de Oswald de Andrade, a ser publicado pela editora Scipione até o fim deste ano. O volume integra a Coleção Archivo - Série Unesco. “É uma obra 1.800 páginas e estamos na última revisão”, revela Schwartz. De acordo com ele, o volume se restringe à produção dos anos 20, quando Oswald experimentou seu estágio mais inventivo, com os romances “de ruptura” – como define Schwartz – Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (publicado em 1933, mas desenvolvido na década anterior). O volume de Schwartz compara dois manuscritos de Memórias Sentimentais e três de Serafim descobertos durante a pesquisa. Em torno dessas narrativas, Oswald produziu fragmentos como “História de José Rabicho Nascido em 5 de Janeiro” e uma infinidade de poemas e epigramas. Um festival de cacos ou, como prefere o organizador, “uma verdadeira usina literária”. A edição se completa com um “Caderno de imagens”, com fotografias e desenhos inéditos do autor. Segundo Schwartz, ficam fora do volume a correspondência, o teatro, os romances posteriores e os textos menores, como jornalístico e de memória.

A intenção da Obra Incompleta é delimitar o momento em que o dragão antropofágico alterou a história da literatura brasileira por meio da narrativa experimental de inspiração cubista. Separa o Oswald 1, modernista, do Oswald 2, socialista utópico, teórico da descolonização cultural e romancista de tese. É excluída, assim, a imagem do intelectual arrasado dos anos finais. O Oswald 1 é o que fica valendo para a história da literatura.

A presença de Oswald é mais como ídolo da contracultura de 1968 do que um escritor efetivamente respeitado. As lições transgressivas do Oswald 1 inseminaram uma geração de artistas que gozou o ápice criativo na segunda metade da década de 60. O revisionismo da obra do autor se deu pela poesia e por força dos poetas que passaram a considerá-lo um santo padroeiro autor de poemas-piadas e de epigramas cômicos. O fenômeno pode ser definido como euforia da influência ad hoc, que atravessa gerações e se alimenta mais das auto-exaltações do que de assimilações efetivas.

No início, existia o elogio... de Oswald a Gullar, que o velho escritor considerava a esperança da nova poesia nativa. No esquema do curso de História da Literatura Brasileira que planejava ministrar na Universidade de Upsala, Suécia, nos seus delírios de resgate intelectual pela academia, Oswald incluiu um capítulo especial a Ferreira Gullar. Ele chegou a comentar o fato ao jovem poeta, que ficou encantado com a sedução que provocou no velho antropófago.
A veracidade da declaração pode ser confirmada na coleção da Unicamp, onde consta, sob o número 1372, um caderno como “Roteiro de Upsala”. As anotações datam de 20 de junho de 1954 e dividem a história da literatura brasileira em quarenta tópicos, indo da “Idade da Pedra” do Brasil ao romance existencialista de Gustavo Corção e à poesia laboratorial de Ferreira Gullar (colocado no mesmo nível de Drummond de Andrade no item 26). No tópico 23, ele trataria do programa de “recuperação nativista” ensaiado pela Semana de 22. A conversão ao marxismo pela maior parte dos modernistas, inclusive ele, em 1931, é definida como “divisor de águas” da literatura brasileira do século XX. E devota a Jorge Amado e à questão social aquele que seria o capítulo 35. O curso, porém, não chegou a se concretizar.

Depois da morte de Oswald, Gullar se esforçou em propagar a memória do admirador. Conta que apresentou, nos idos de 1955, os poemas do livro Pau Brasil (1925), de Oswald, para Augusto. Este levou o livrinho para os outros concretos. E foi Haroldo a dar a formulação teórica para a poética de Oswald como tardo-construtivista inspirador da experimentação com a linguagem em língua portuguesa em introduções a livros e antologias de Oswald que publicou no início dos anos 60. Como resultado, o trocadilhismo oswaldiano até hoje oferece o pretexto para músicos discípulos dos concretos e dos tropicalistas fazer poesia pelo recurso da enumeração repetitiva de palavras. Assim, Oswald se tornou precursor do teatro de vanguarda, do concretismo, do tropicalismo e da música pop. No fim dos anos 80, tal “poética” foi anexada à cultura oficial do Estado de São Paulo. De certo modo, a Obra Incompleta reforça a imagem de vitalidade agressiva do autor tão admirada pela posteridade contracultural.
Figura bem diversa vem à tona nos textos não publicados de Campinas que não fazem parte dos planos imediatos de Schwartz. No CEDAE, encontram-se am um caderno azul-marinho de capa dura, com 300 páginas (documento número 1364); contém o primeiro capítulo de Marco Zero III - Beco do Escarro e trechos confessionais, e um caderno menor, escolar, de marca “Guarany” (1380) com capítulo do segundo volume de Um Homem Sem Profissão (memórias e confissão), intitulado “O Salão e a Selva”. A documentação retrata as hesitações e a revolta de um escritor que havia perdido a reputação e lutava para se manter intelectualmente vivo, às voltas com leituras de autores existencialistas, projetando palestras e cursos, descobrindo autores jovens e se dedicando à elaboração de uma ética antropofágica. É o Oswald patético que os idólatras precisam esquecer.

“Um dia fui visitá-lo no apartamento dele no Bexiga e fiquei estarrecido com o que vi”, conta Mario da Silva Brito, amigo íntimo de Oswald e historiador da Semana de 22. “Sentado à poltrona, ele tinha manchas no rosto e parecia sofrer de uma doença rara. Disse-me: ‘Vou morrer. Mas não estou preocupado comigo. Me preocupo é com esses aí’. E fez um movimento de cabeça na direção de seus dois filhos, um menino e uma menina, Antonieta Marília e Paulo Marcos.”
Brito afirma que Oswald sempre foi um crianção. “Confessou-se um eterno edipiano. Suas aventuras amorosas serviram para perseguir a mãe nas mulheres com quem se envolvia. Finalmente apareceu, em 1942, Maria Antonieta d´Alkmin, a última com que se casou. Encontrou nela a mãe que sempre buscou”.

Atesta a afirmação uma carta inédita pesquisada por Schwartz e conservada por Antonieta Marília. Dirigida aos dois filhos pequenos, é datada de 7 de julho de 1954, três meses antes de morrer, e faz a confissão da rendição amorosa: “Uma noite, no hall de um hotel popular de Sevilha encontrei Don Juan – o rosto marcado e severo, a presença imponente e simples. Fiquei encadeado àquela figura anônima de espanhol com quem sentia secretos compromissos. Quem era eu senão Don Juan – um experimentador de amores e de aventuras? A mãe de vocês me fixou no solo atávico, realizou o milagre de me autenticar, ressuscitou em mim o que era essencial e se esquivava. Enquanto eu doente permaneço sentado ao meu leito, ela organiza a biblioteca – santa ideal de minha mocidade. Ela teima em organizar um ambiente de trabalho intelectual para o caído que eu sou. Só ela é capaz de acreditar na minha ressurreição”.

A “debacle” artística está fixada nos citados cadernos, que Maria Antonieta organizou e anotou cuidadosamente.

Beco do Escarro ocupa dez folhas do caderno e completaria a trilogia de romances sociais sobre a industrialização de São Paulo iniciada em 1943 com Marco Zero: A Revolução Melancólica, seguida dois anos depois por Marco Zero: Chão. O capitulo, datado de 1946, intitula-se “Muralha Queimada” e narra as agruras da pobretona Miguelona Serafim no Fórum de São Paulo. Ela tenta processar um major que lhe roubou as terras, mas perde o julgamento e volta à vila onde mora. É o típico episódio de denúncia da luta de classes que o amigo de Oswald, Jorge Amado, fazia na época. O capítulo é escrito a lápis. Das páginas seguintes consta um plano de Beco do Escarro, com sete capítulos que narrariam episódios entre 1935 e 1945. O escritor lançou ao papel algumas tiradas para inclusão posterior, como a frase do agiota: “Minha filha está gordinha, mas não sabe quanto custa aquela gordurinha dela”.

A desorganização de Oswald é grande nos manuscritos. Juntava planos, pensamentos e ficção num mesmo espaço. Nas páginas 296 a 298 do mesmo caderno, figura uma passagem confessional, com data de 29 de junho de 1948.

Nela, Oswald confessa a si mesmo que sua “vida caçadora” representa uma derrota. “Por que negar?”, escreve, sempre a lápis. “Por que dissimular a mim mesmo? Ficaria uma ferida. Aquele sujo pretexto de dever cumprido não possa de um recurso sanitário da velha hipocrisia que me caracteriza. O mal não é meu só. É de todo o século.” Reclama que não atingiu o auge almejado: “Quando não cumpriu o seu dever antropofágico, que é o de estraçalhar a prosa à vista, perante a adesão gulosa dos outros, compõe uma máscara generosa que o justifique. Por que, no fundo, essa timidez de colegial num velho sexagenário que já perdeu todas as ilusões? Menos a da barata noturna que procura um naco de chulé num chinelo velho de um quarto. E que foge desatinada ante o menor barulho.”
No início de 1954, ele publicava o primeiro volume de sua memórias, Um Homem sem Profissão: Sob as Ordens de Mamãe pela Livraria Martins Editora. O livro conta seus primeiros passos até o início da carreira jornalística, nos anos 10. Não teve repercussão alguma, o que desgostou o escritor. Ele ainda tentaria escrever o segundo volume, O Salão e a Selva. Nele, narraria como se deu a preparação da Semana de Arte Moderna de 22. Mas não teve tempo para realizar o projeto. Restou apenas o capítulo aqui publicado pela primeira vez. O trecho de três páginas não traz data, mas bilhetes escritos para Maria Antonieta no início do caderno dão conta de que foi redigido em 1942.
Não é difícil prever os desdobramentos do capítulo. Narra ali suas impressões nada favoráveis da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde se formou em 1919. Imagina o que os escritores românticos sofreram quando estudaram ali no início do século XIX, buscando diversão com prostitutas numa ilha do rio Tamanduateí (hoje soterrado por avenidas). A “bucha” era o nome de uma das sociedades secretas que vicejaram na São Francisco. E lança suas farpas contra a classe jurídica. A seqüência de episódios conduziria o leitor à conspiração modernista, às noites de tumulto em fevereiro de 22, à fama do movimento e à conversão ao marxismo. Mesmo desdentado e desiludido, o antropófago ainda se expressava como um romântico. Oswald 2 se enxergava como Oswald 1. Um ou outro, ele passou à história como o anti-herói que triunfou na depressão.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal Valor Econômico, a 22 de março de 2002. Acompanha fragmento inédito de Oswald de Andrade intitulado “O Salão e a Selva”.
 
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domingo, 10 de outubro de 2010

EDUCAR PARA A AUTONOMIA E PARA A LIBERDADE


Face aos múltiplos desafios que o final de milénio nos colocou e à forte vertente de mudança e inovação educacional que consigo arrasta até hoje, é inevitável que teremos de caminhar, a passos largos, para uma educação aberta, quer no que concerne aos objectivos e métodos, quer no que diz respeito à diversificação dos agentes educativos.

Urge a consciencialização crescente de que a educação não se pode restringir a uma estreita concepção de escolaridade, nem tão pouco se confundir com a mera instrução. Eis um dos principais propósitos desta reflexão dedicada à Didáctica da Filosofa, em particular, e à Educação, em geral.

Não obstante a questão filosoficamente controversa da existência ou não de uma didáctica específica da Filosofia – que tem vindo a suscitar um intenso e polémico debate entre os defensores da sua legitimidade e urgência e aqueles que perspectivam de um modo assaz suspeito a aproximação desta área do saber, bem como do seu ensino, às denominadas Ciências da Educação – considero que a Filosofia é, em si mesma, uma pedagogia e uma didáctica.

O ensino da Filosofia, por conseguinte, nada tem a pedir de empréstimo às ditas Ciências da Educação, em virtude da Filosofia compreender em si própria os fundamentos orientadores do seu peculiar exercício comunicativo.

Porém, afigura-se indubitável a necessidade de conferir ao ensino da Filosofia a didáctica de que ela por si mesma requerer, a qual deverá ser edificada, sempre e inevitavelmente, a partir do seu próprio interior: a melhor formação pedagógica de um professor de filosofia será, e quiçá irredutivelmente, uma sólida formação filosófica. Isto não significa afirmar a absoluta diferenciação disciplinar da Filosofia, nem tão-só a sua tecnicidade. Mas, antes de mais, indica-nos que a formação de filósofos, ou se preferirmos, de ensinantes de Filosofia, deve entender-se como formação de profissionais legítimos, em oposição a qualquer tipo de amadorismo, naturalmente, repugnante.

A Filosofia afirmou-se ontem, e afirma-se hoje cada vez mais. Os filósofos jamais ignoram como os homens são feitos, embora sejam mais "ligeiros do que os anjos" e nunca experimentem a necessidade de caminhar entre os mortais bicéfalos, vagueantes, com as suas mentes errantes, por este Mundo em irremediável con-fusão.

Independentemente de aderirmos ou não à questão que indaga sobre a problemática da existência de uma didáctica específica para a disciplina de Filosofia no Ensino Secundário, não concebo esta área de abordagem senão enquanto fundamentada no âmbito da Filosofia da Educação, quer dizer, no espaço de emergência da reflexão de uma concepção de educação, de ensino e de aprendizagem, de aluno e de professor, enquadrada no âmbito geral de uma concepção globalista de Sociedade e de Humanidade.

É preciso criar uma cultura nova que veja a própria escola como o seu produto e produtor directo. Só uma interacção deste tipo poderá ser frutífera face às ambições do mundo actual, cujo motor de desenvolvimento se centra, cada vez mais, no tipo e nível de educação a ministrar aos seus membros.

O que se pretende, então? Dar aos espíritos (dos aprendizes de filósofo que, em última instância, somos todos nós), a capacidade de um contínuo desenvolvimento, de molde a aperfeiçoar a sociedade em que vivemos na sua Humanitas. Estes dois objectivos reduzem-se, afinal, à mesma ideia: “porque desenvolver os indivíduos é aperfeiçoar a sociedade, e porque do carácter da sociedade depende, por sua vez, o desenvolvimento dos indivíduos", como afirma António Sérgio, nos seus Ensaios I[1].

A educação, todos o sabemos, começa na família, passa pela escola, embora não termine neste domínio institucional, mas no meio sócio-cultural em que o aluno se circunscreve, num continuum processo de socialização.

Faço, por isso, a apologia de uma noção progressiva de educação, fundada na ideia de uma estreita conformidade entre as capacidades intelectuais do aluno e os ensinamentos ministrados, de modo a evitar o obscurecimento da ordem natural do educando, cuja estrutura intelectual deve ser devida e dignamente respeitada, ao mesmo tempo que salvaguardada em todo o seu processo evolutivo. Esta ideia permite-nos ultrapassar a concepção estática da educação, em defesa de uma perspectiva educativa que prima pela dinamicidade, pelo contínuo porque, antes de mais, o saber é algo que se vai construindo ou per-fazendo ao longo da existência de cada ser humano, e não uma instância que esteja pautada por uma rigidez absoluta, apriorística e definitivamente elaborada: aprender é inventar ou reconstruir por invenção.

Como sublinha Kant – filósofo que muito prezo no que concerne a assuntos desta natureza – o aluno não deve "aprender pensamentos, mas aprender a pensar; não se deve levá-lo, mas guiá-lo, se se pretende que no futuro seja capaz de caminhar por si mesmo (...). É uma maneira de ensinar deste tipo que exige a natureza peculiar da filosofia. O adolescente que saiu da instrução escolar estava habituado a aprender. Agora, ele pensa que vai aprender Filosofia, o que é, porém, impossível, porque agora ele tem de aprender a filosofar”.[2]

Para se aprender Filosofia, considera ainda Kant, era necessário que existisse realmente uma, concebida à maneira de uma disciplina acabada, perante a qual pudéssemos dizer: eis aqui a Filosofia; aqui está a sabedoria e o critério seguro para a sua cabal aprendizagem.

Não obstante a legitimidade da polémica questão kantiana – assim compreendida mediante as características da sua época, e obviamente defensável mediante um certo ponto de vista, que não nos cabe agora discutir – afirmo, sem reservas, a possibilidade inegável do ensino da Filosofia, pelo menos enquanto postura existencial perante o Mundo, enquanto uma forma específica de mundivisão.

Cada filósofo estudado, que serve de base ou de ponto de partida para tal ensinabilidade, embora jamais deva ser considerado como modelo absoluto de um qualquer juízo emerge, no entanto, como uma das grandes oportunidades para cada qual – professor e aluno – pronunciar um juízo sobre ele, ou até mesmo contra ele, ao mesmo tempo que proporciona, pelo método de reflectir por si mesmo, o despoletar de um pensar que é capaz de produzir autonomamente uma certa interpretação indicadora do caminho a seguir enquanto “ser-lançado” no Mundo.

Nesta perspectiva, a Filosofia, enquanto disciplina integradora do curriculum do Ensino Secundário, surgiria como um domínio essencialmente reflexivo, como uma espécie de "higiene mental", que permitiria ajudar os alunos a situarem-se no espaço e no tempo que são efectivamente os seus.

A educação filosófica torna-se um processo de auto-construção-guiada, reservando-se para o pedagogo o papel de orientador, de formador ou "modelador" de uma matéria, que não obstante todos os germens potenciais que intrinsecamente a compõem, ainda se encontra de certo modo desenformada.

O professor de Filosofia não pode ser mais o simples conferenciador; não pode mais contentar-se em debitar soluções previamente resolvidas, devendo situar-se, ao invés, num espaço de abertura e de flexibilidade que o direccionem ao concretamente vivido. Deve mover-se numa esfera que alargue o restrito espaço da sala de aula não só à comunidade, mas ao Mundo, pois o alargamento das fronteiras da escola exige um correspondente alargamento das fronteiras do professor e da sua metodologia de ensino.

Esta mudança não é apenas o resultado calculável ou previsível do novo conceito de escola que agora se impõe – a escola-comunidade-educativa –, mas quiçá o resultado mais imediato das exigências que o actual corpo discente coloca imperativamente a cada instante, jamais de olhos vendados perante o “magistral” e irrepreensível saber do professor. Os alunos de hoje, contrariamente aos alunos de ontem, dispõem, sem qualquer espécie de freios, de meios de informação que lhe oferecem gratuitamente, de um modo fácil e diversificado, o conhecimento.

O aluno de hoje jamais poderá ser encarado como um escravo do mestre, como aquele que se limita a escutar e a repetir as "verdades" proferidas por este. Muito pelo contrário: deverá ser convidado a substituir a postura passiva em que geralmente era colocado pelo "ensino tradicional", por uma participação activa e criativa, que fará dele um elemento realmente interveniente no processo de ensino-aprendizagem, pelo exercício pleno da sua liberdade e responsabilização correspondente.

A educação não pressupõe, propriamente falando, a introdução de algo novo, mas o fazer desabrochar do já existente. Esta ideia aproxima-nos, em grande medida, da metodologia socrática – relativamente à qual manifesto também a minha preferência, em virtude da sua pragmaticidade – por oposição aos tradicionais métodos "caquécticos" que introduzem a mecanização nas jovens mentes em formação.

Como o que interessa desenvolver no aluno é a razão prática reflexionante, e não a razão meramente especulativa, e como verificamos que cada indivíduo aprende, ou seja, retém mais facilmente e de um modo mais sólido o "manancial teórico" que extrai de si próprio, deveremos proceder socraticamente na educação da razão.

Sócrates, que se nomeia "parteiro" dos conhecimentos dos seus interlocutores, por ajudar a "dar à luz" os conhecimentos que latentemente se encontram nas suas almas adormecidas, hoje cada vez mais proliferantes, dá-nos vários exemplos do modo como podemos conduzir os alunos a extrair muitas coisas do seu próprio intelecto.

Trata-se de um método investigativo, progressivo e não dogmático, naturalmente estimulador da capacidade intelectual dos alunos, da sua actividade e espontaneidade, através do qual são chamados a reinventar a verdade que é necessário assimilar.

Na aula de Filosofia não há modelos a seguir, mas pistas indicadoras que se destinam a promover uma busca contínua, sobre as quais é susceptível exercerem-se juízos pessoais que não obedecem, necessariamente, aos cânones estabelecidos pela exterioridade. O professor de filosofia deve entender a educação, de que é um condutor privilegiado, como um processo interior progressivamente realizado mediante as potencialidades que comandam a ordem natural do educando.

A educação visada pela Filosofia deverá encontrar na natureza a sua justificação e razão de ser: a educação consuma aquilo que a natureza deu ao homem como gérmen e possibilidade; é o cumprimento supremo e aperfeiçoado da natureza. É precisamente neste sentido que devemos interpretar a tese que afirma "que o homem só se pode tornar homem peia educação", pois "ele não é senão o que a educação faz por ele”[3]. Urge, pois, trabalhar no plano de uma educação conforme aos princípios humanos, legando à posteridade as instituições fundamentais que permitirão a sua realização plena.

Não deveremos encarar esta ideia como quimérica ou simplesmente rejeitá-Ia por a considerarmos como um belo sonho minado pela utopicidade de um ideal meramente inalcançável, mesmo se encontrarmos obstáculos que se oponham à sua consumação, pois uma ideia não é senão o conceito de uma perfeição que não está ainda concretizada na experiência.

A ideia da existência de uma educação que desenvolva plenamente todas as disposições naturais do homem é certamente verídica, e a humanidade presente e futura deve canalizar todos os esforços para levar a cabo este brilhante e necessário ideal.

A educação deve compreender o indivíduo no seio do progresso geral da humanidade, de modo a fazer dele um homem do futuro, um elemento intrinsecamente pertencente ao conjunto de gerações que ocuparão o palco da História vindoura: é em vista do futuro, em vista do progresso parcial que cada indivíduo pode representar, que devemos educar os nossos alunos. O futuro será sempre certamente o critério de todas as nossas aspirações educacionais.

A educação, tal como a filosofia da história, descobre um outro tempo, uma outra temporalidade. Não é em função do passado que se constrói o presente, mas sim em função do futuro. A escola dever-se-á fundar sobre a ideia de humanidade e da sua destinação total, concretizada pela visão de um futuro possível e melhor, pois o tempo da educação não é o tempo do ser mas o tempo do dever-ser; o seu fundamento originário é a fé no futuro, como princípio e norma orientadora do presente.

Caberá à educação do futuro concretizar o ideal da Aufklãrung (Iluminismo), para o qual nos devemos direccionar desde já, que consiste em extirpar o homem da menoridade de que é culpado, quer dizer, da "incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem", e despertá-lo para a maioridade, para a conquista da sua própria autonomia e liberdade, para a libertação da razão que se pretende que seja devidamente esclarecida[4]. Eis os grandes objectivos a concretizar na aula de Filosofia.
_____________________________________

[1] António Sérgio, Ensaios, Tomo VII, p. 225.
[2] Kant, Informação Acerca da Orientação dos seus Cursos no Semestre do Inverno de 1765 – 1766, in Filosofia, Publicação Periódica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, Vol. 11 - N° 1/2 – Primavera/88.
[3] Kant, Reflexões sobre a Educação, p.73.
[4] Kant, Resposta à Pergunta: O que é o Iluminismo?, in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, pp. 11-19.

Isabel Rosete

sábado, 9 de outubro de 2010

Comentário de uma ex-aluna, Teresa Castelhano, a quem agradeço muito emocionada




Boa tarde!Hoje, navegando por este mundo virtual, encontrei um nome que me soou familiar: "Isabel Rosete". E não me enganei!"Mergulhei" por este site, e mais outros tantos que falam de si, e vieram às minhas lembranças as aulas de Filosofia dos 10º e 11º anos, em 1992-1994, na Escola Secund. Jaime de Magalhães Lima. Dessas aulas ainda falo hoje, agora aos meus próprios alunos. Já a admirava naquela altura, pela professora, pela pessoa, pelo carisma que transparecia e pelo estilo inconfundível. Hoje fico, sem dúvida, até vaidosa por ter sido sua aluna. Espero que esteja tudo bem consigo e, se o aceitar, deixo-lhe um abraço até saudoso pelos tempos que me fez recordar. Um beijinho. Teresa Castelhano

Concepção mínima de moralidade

James Rachel (1941-2003) escreveu uma brilhante introdução à filosofia moral (Elementos de Filosofia Moral) onde aborda de uma forma muito clara e precisa as quatro principais teorias éticas: Ética Utilitarista, Kantiana, Contrato Social, e Ética das Virtudes. Este filósofo não se limita a fazer uma apresentação destas teorias, mas tenta avaliar a sua plausibilidade recorrendo a objecções e a contra-exemplos. Para além disso, aborda outros assuntos relacionados com a metaética: egoísmo psicológico, egoísmo ético, relativismo cultural, relação entre religião e moralidade, definição de moralidade, etc… Transcrevemos um pequeno e interessante excerto onde Rachel fala sobre a moralidade:

“A concepção mínima pode agora ser apresentada de forma breve: a moralidade é, pelo menos, o esforço para orientar a nossa conduta pela razão – isto é, para fazer aquilo a favor do qual existem melhores razões – dando simultaneamente a mesma importância aos interesses de cada indivíduo que será afectado por aquilo que fazemos.

Isto oferece, entre outras coisas, uma imagem do que significa ser um agente moral consciente. O agente moral consciencioso é alguém preocupado imparcialmente com os interesses de quantos são afectados por aquilo que ele, ou ela, fazem; alguém que cuidadosamente filtra os factos e examina as suas implicações; que aceita princípios de conduta somente depois de os examinar, para ter a certeza de que são sólidos; que está disposto a «dar ouvidos à razão» mesmo quando isso significa ter de rever convicções prévias; alguém que, por fim, está disposto a agir com base nos resultados da sua deliberação.

É claro que, como seria de esperar, nem todas as teorias éticas aceitam este «mínimo». Como teremos oportunidade de ver, este retrato do agente moral tem sido posto em causa de várias maneiras. No entanto, as teorias que rejeitam a concepção mínima debatem-se com sérias dificuldades. A maioria dos filósofos apercebeu-se disto, e por isso a maior parte das teorias da moralidade incorpora, de uma forma ou de outra, a concepção mínima. Não discordam sobre o mínimo mas sobre como poderemos alargá-lo, ou talvez modificá-lo, de maneira a alcançar uma concepção de moral inteiramente satisfatória”.


Fonte:
James Rachel - Elementos de Filosofia Moral. Tradução de F. J. Azevedo Gonçalves. Lisboa: Gradiva, Janeiro de 2004, pp. 31-32.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Reportagem fotográfica da oitava sessão de apresentação de "Vozes do Pensamento", um livro de Isabel Rosete, na "Perlimpimpim", 02/10/2010 -  http://isabelrosetevozes.blogspot.com

Os meus mais notáveis agradecimentos à Aldina Ribeiro, ao Tiago e à Alda (da "Perlimpimpim"), pelo gentil acolhimento que me prestaram. Igualmente, aos colabores directos neste evento - Tomaz Parreira, António Azeredo, Gonçalo Rosete, Carolina Martins, Elvira Almeida, Carlos Cardoso, Maria Matos, Manuel Martins... e a todo público que, nesta noite de celebração da Poesia, me acompanhou e aplaudiu com toda a consideração.

Bem-hajam,
IR

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quem se atreve a atirar a primeira Pedra?

Urge uma enorme mudança de mentalidades, hoje cada vez mais distorcidas, cruéis, atrozes, em nome da implementação definitiva e cumprida dos valores autenticamente humanos, que repelem os anti-valores massivamente em vigor e determinantes das condutas particulares e públicas: a discriminação, a hipocrisia, o xenofobismo, a intolerância, a ausência de solidariedade...
Enquanto essa mutação não for realiza, as pedras nunca mais voltarão ao seu lugar natural: calçadas, ruas, praças, montanhas...

Esta mudança é, na verdade, a grande revolução intelectual que devemos operar neste século, em concomitância com um agir visivelmente adequado.

Quando este ideal (não utópico) se concretizar, as pedras deixarão de ser armas e continuarão a ser simples pedras.

Isabel Rosete

CONVITE:

 A Galeria-Bar Perlimpimpim e a autora têm a honra de convidar Vossa Ex.ª, familiares e amigos, para a 8ª sessão de apresentação de "Vozes do Pensamento", um livro de Isabel Rosete, a realizar no "Perlimpimpim", Gafanha da Vagueira, no dia 2/10/2010, às 22.00h.
Um espectáculo de Poesia e Piano.
Algumas palavras e outros sons que dizem respeito e são do agrado de todos.

Sessão de autógrafos personalizada.

Saudações Poéticas,

IR - http://isabelrosetevozes.blogspot.com/

domingo, 26 de setembro de 2010

“Porque transformam os filósofos perguntas aparentemente simples em questões tão complexas e confusas?

O livro “Que Diria Sócrates?” (do projecto askphilosophers.org) prova que a filosofia não é um assunto do passado, mas é uma actividade extremamente viva e actual. Formula-se questões e vários filósofos respondem com teorias suportadas em argumentos, desafiando-nos a pensar melhor e a reavaliar criticamente as nossas crenças. Seleccionei uma passagem que aborda a temática das «perguntas filosóficas».


“Porque transformam os filósofos perguntas aparentemente simples em questões tão complexas e confusas?

Alexander George: Não há razão para pensar que uma pergunta simples tenha de ter uma resposta simples. A pergunta «Porque há marés?» é deveras simples; uma boa resposta a esta pergunta é deveras complexa. (Mas talvez considere que, regra geral, as perguntas a que os filósofos respondem de modo complexo podem ser respondidas de forma simples!)

Podemos ir mais longe e interrogar-nos sobre o porquê de as perguntas simples não terem, o mais das vezes, respostas simples. Bom, é uma excelente pergunta simples e suspeito que não tenha uma resposta simples! Em filosofia é frequente que as perguntas peçam uma explicação, ou uma racionalização, de algo em que acreditamos; por exemplo, um filósofo poderá querer saber porque acreditamos que as outras pessoas são seres conscientes (muito embora jamais possamos ter experiência directa disso e, portanto, jamais tenhamos indícios do estado de consciência de outros). Por vezes, a noção que um filósofo tem do que constitui uma boa explicação é semelhante à do cientista: uma explicação que recorre a teses básicas que, através do processo de inferência, nos conduzem a dado momento a muitas consequências interessantes e variadas. Dito de outra maneira, os filósofos procuram constantemente teorias, explicações que tragam ordem a um leque de fenómenos previamente desconectados, ou ainda que os sistematizem, explicações essas através das quais mostram como todos estes fenómenos se seguem de determinados pressupostos básicos. E as teorias, porque procuram espremer o máximo sumo possível de uma quantidade mínima de afirmações iniciais, podem implicar cadeias de raciocínio complexas. O caminho que liga os pontos de partida Às conclusões pode ser longo e sinuoso. O que pode parecer – e de facto é – uma tarefa complicada”.

Fonte:
Alexander George (.org) – Que Diria Sócrates? Os filósofos respondem às suas perguntas sobre o amor, o nada e tudo o resto. Tradução de Cristina Carvalho. Revisão científica de Aires Almeida. Lisboa: Gradiva, Julho de 2008, pp. 293-294.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

COMO SE FAZ UM FILÓSOFO

Falamos o tempo todo de existência e é obviamente um conceito fundamental, mas o que quer dizer exactamente? Isto revela-se algo extraordinariamente difícil. A pergunta é enigmática, mas é possível fazer progressos (…). E a existência não é um tópico que a ciência possa alguma vez vir a ser capaz de dar conta. É uma questão puramente filosófica, simples mas surpreendentemente confusa. Pensar sobre ela faz-nos ver que mesmo os nossos conceitos mais básicos não são claros para nós; usamo-los sem grande problemas, mas não temos qualquer compreensão articulada do que envolvem. É aqui que a Filosofia entra. E isto mostra que é um erro pensar que todas as questões genuínas são científicas ou empíricas. Na verdade a própria ciência levanta problemas filosóficos.


O mesmo acontece com a Literatura, com a História, a Economia, as Ciências da Computação, a Matemática e assim por diante. Na Matemática, por exemplo, há a questão de saber de onde vieram os números: será que são apenas marcas num papel, ou ideias na mente dos matemáticos? Será que são, como Platão pensava, entidades objectivas e independente da mente que existem fora do espaço e do tempo? Nada daquilo que aprendemos numa aula normal de Matemática nos pode dar a preparação necessária para responder a tais perguntas (...). Nas ciências empíricas, as teorias são criadas para explicar os dados que foram observados, e consideramos muitas vezes que estas teoria fornecem descrições corretas da realidade. Mas note-se que esta caracterização da ciência usa vários conceitos que precisam urgentemente de ser elucidados: o que é uma teoria? O que é uma explicação? O que distingue uma observação da teoria usada para a explicar? O que é a verdade? O que é a realidade? A ciência opera com estes conceitos, mas não tem recursos para os explicar. O mesmo acontece com as ciências sociais: também usam os conceitos que acabamos de referir, mas também invocam conceitos como o de razão ou motivo, assim como conceitos normativos como o de correcto e obrigatório – e estes conduzem-nos à filosofia moral e política, assim como à filosofia da mente. As artes empregam conceitos estéticos como os de beleza e representação, que levantam questões filosóficas: é a beleza subjectiva ou objectiva? Será que toda a representação artística é fundamentalmente do mesmo tipo? O que determina o valor estético de uma obra de arte? Depois há os conceitos extremamente gerais que surgem de súbito em todo o lado – tempo, causalidade, necessidade, existência, objecto, propriedade, identidade. Nenhuma disciplina científica nos pode dizer o que estes conceitos envolvem, porque são pressupostos para quaisquer destas disciplinas; precisamos da Filosofia para compreender estes conceitos. Por exemplo: é a causalidade simplesmente uma questão de simples conjunção constante de acontecimentos (…) ou será que envolve um elemento de conexão necessária? E que tipo de necessidade pode ser? Será qualquer coisa como a verdade necessária de «os solteiros não são casados»?
Estas são as perguntas que os seres humanos fazem naturalmente e acerca das quais têm estado perplexos desde que se registou pela primeira vez o pensamento articulado. As crianças fazem perguntas filosóficas espontaneamente, para grande frustração dos pais (…). O filósofo é apenas alguém com interesses particularmente fortes sobre estas velhas questões universais; é a encarnação de um género de curiosidade humana (…). Claro que é fácil ficar impaciente com estas questões, pois não admitem resolução científica. Porém, na verdade esta é uma resposta de filisteu combinada com fetiche científico. A ciência é sem dúvida uma tarefa importante e nobre, mas não é a única forma de investigação intelectual com valor. Não devemos abraçar a ideia de que uma pergunta ou é científica ou coisa nenhuma”.
Fonte: Colin McGinn – Como se faz um filósofo. Tradução de Célia Teixeira. Revisão científica de Desidério Murcho. Bizâncio, Março de 2007, pp. 247-249.
Isabel Rosete

sábado, 11 de setembro de 2010

Breves constatações sobre um Portugal de demissionários


1. Vivemos, hoje, num Pais de demissionários, de gentes sem rosto e sem voz própria, convicta ou determinada;

2. Vivemos, hoje, no silêncio mórbido dos que não sabem como salvar este País em marés de desalento, em estado de naufrágio total. Completamente alagados, na sua ausência de ideais, os mandantes ou (des)mandantes nacionais talvez seja este o termo mais adequado navegam, sem norte, nos mares da dissimulação, da mentira, e do faz-de-conta, sem escrúpulos ou peso nas suas consciências inconscientes;

3. Vivemos, hoje, banhados por um regime político incógnito e, naturalmente, indefinível e impassível de qualquer espécie de adjectivação apropriada, porque: vagueamos na política da lamentável conveniência, do taxismo sem disfarce, da ausência da identidade nacional, do parecer-ser estatístico que pretende camuflar – pensam eles! – as misérias nacionais, apenas invisíveis perante a quadradice dos espíritos míopes.

Isabel Rosete
“Suplicas da minha alma”, por Isabel Rosete


A monotonia congela-me o cérebro. Irrita-me a Alma, ávida do sempre novo, do constantemente diferente, da metamorfose, do Mistério, do enigma, de todas as incógnitas…

A minha Alma suplica pelo desafio do desconhecido, do nunca antes visto ou imaginado. Do impensado e do impensável. Caminha para o impossível, para o reino efémero da ausência de limites, para o paralelamente infinito, para todos os caminhos, até mesmo para os mais recônditos.

A minha Alma procura a inocência primeira, a leveza do Ser de todas as coisas, animadas e inanimadas, terrestres e celestes, no seio dos dois lados da quadratura perfeita de um círculo por quatro pilares comandando: a Terra, o Céu; os Homens, os Deuses!

A Minha Alma busca o Imenso, na esperança de encontrar um Mundo novo, exemplar. Este já está gasto, saturado, des-governado, demasiadamente costumeiro para quem deseja ver mais longe, para quem almeja ver para além das ilusórias aparências que ofuscam o olhar primogénito.

A minha Alma procura, sem cessar, a Liberdade, qual espaço aberto de expansão total do Tudo, onde não há o acaso, nem o vazio, nem o nada.

A minha Alma quer percorrer os círculos viscerais de todos os entes. Ama a Totalidade, na sua grandeza, que foge aos estreitos limites do Tempo, do Espaço, do Destino… Vagueia por todos os lugares. Não cabe mais dentro de si própria. Procura o Aberto, onde o Todo se funde, em perpétua comunhão com o Ser, o Estar e o Pensar.

A minha Alma pensa o Mundo. Esmorece perante o caótico cenário da miséria humana. Intenta mudar o Mundo, a mente das gentes agrilhoadas à mesquinhez do mero sobreviver, à vileza dos pré-conceitos comuns. Quer ultrapassar as barreiras do Tempo e do Espaço. Quer ser eterna e nessa eternidade mover-se e mover o Universo.

Porém, não é narcísica! Vê-se ao espelho. Sempre. Reconhece a sua própria identidade, as suas faces e as faces que não são as suas. Sofre com todos os “Epimeteus”…Deseja todos os “Prometeus”… Sente-se só. Também, desamparada, neste espaço cósmico des-humanizado, que não suporta a disparidade da alteridade.

A minha Alma quer re-nascer num Mundo novo, com a hierarquia axiológica adequada…. Sem rótulos, sem rebanhos, sem congeminações forçadas e infundadas.

A minha Alma quer crescer no topos infinito de todos os Oceanos…

Isabel Rosete

sexta-feira, 4 de junho de 2010

IDENTIDADE

Assumir, convictamente, a Identidade… Seguramente, o maior esforço de todo o ser humano, neste Mundo de falsas identidades ou de identidades camufladas, fundeadas no espaço camaliónico das diferenças não aceites, da imposição de um padrão comum, do estereotipado, onde não há lugar para o ser-si-mesmo, nesta sociedade do “parecer-ser”, em nome de um tal “bem-estar” comum que, na generalidade, não passa de uma mera utopia demagógica.

Vigora a mais deslavada hipocrisia anulativa das dissemelhanças, da diversidade, que faz a singela Beleza intrínseca à essência do universo físico e humano, a que já não pertencemos mais.

Adulterámos as Leis da Natureza. Instaurámos o caos cósmico. A isso, chamamos progresso. Que progresso? O da rarefacção da camada de ozono? O do efeito de estufa e do degelo dos oceanos? O do des-equilíbrio dos ecossistemas? O da miséria das crianças sub-nutridas? O dos Povos famintos? O da infelicidade dos Homens que clamam o Paraíso perdido?

O “progresso” da irracionalidade, das mentes inconscientes, dos pensamentos corroídos pelo ódio, instaurou-se, definitivamente, no seio desta massa humana, indefesa, des-norteada, que hoje somos.

Coitados dos homens. Tão potentes e tão frágeis, ao mesmo tempo. Meras peças soltas do grande puzzle, do puzzle universal, onde já não se encaixam mais.

Somos mero pó, cinzas dispersas, em incandescência dissonante. Brilho opaco dos restos do lixo cósmico, em degeneração total.

Corremos pelos leitos de todos os rios, que, no mar, não desaguam mais. Perdemo-nos de nós mesmos. Não nos encontramos mais. Rodopiamos num círculo imperfeito de esferas desencontradas, de espaços sem intersecção, indefinidos, incertos, indeterminados, mas, ao mesmo tempo, “extra-ordinários”, libidinais, irascíveis e concupiscentes.

Erramos, navegamos pelos espaços infindos da imaginação. Buscamos o Infinito, o Eterno, o Imutável. Projectamos um futuro outro, apenas existente no mundo ficcional de todos os nossos sonhos: do “princípio da realidade” se afastam, para erguer, sempre, o “princípio do prazer”.

Velejamos por todos os mares. Pairamos por todos os espaços siderais. Percorremos todos os caminhos da Floresta, sempre paralelos, sempre descontínuos. A escolha não é mais possível.

Esmagamos um Ego desesperado, descentrado de si mesmo, tão narcísico quanto paradoxal. E, no entanto, ainda somos aves de rapina, predadores universais, dominadores de todas as possíveis presas, dissimulados num habitat, que já não é mais natural.

Percorremos todos os atalhos. Edificamos uma nova ordem. A da caoticidade mundial. E, no entanto, ainda somos apelidados de “animais racionais”.

Que racionalidade é esta, criadora de um tempo de infortúnio? Que racionalidade é essa, geradora de todas as misérias? Que racionalidade é esta re-veladora da massa indigente das gentes vagueantes, bicéfalas?

Isabel Rosete
Esperais a Salvação
Mãos criminosas?

Que salvação?
A do Inferno?
Ou a do Céu?
Ou a do Purgatório?

Sois atopos
Oh, mãos criminosas!
Não tendes lugar,
Não tendes, nem tempo, nem espaço.

Sois marginais, para sempre, marginais!
Não cabeis em lado nenhum
Onde a nobreza e a (frágil) Justiça imperem.
Não tendes Pátria, nem Habitação,
Nem Morada!

Sois a escumalha da Humanidade que,
Miseravelmente,
Representais.

Sois o infortúnio da dignidade
Da Ética,
Da Moral do Dever.

Sois fragmentos dispersos
Da podridão que plantais e colheis,
Sem dó.

Não se aproximem de mim!
Não me falem!
Não me toquem!

Tenho nojo de vos
Mãos crimonosas,
Armas destruidoras,
Punhais escanzelados do vil,
Do corruptível,
Da discórdia,
Da enormidade desprezível,
Disso a que se resolveu chamar,
Um dia,
De Humanidade.



Isabel Rosete

Maquiavélicos?
Somos.

Criativos
E nobres?
Também somos,

Apesar de toda a miséria,
Da mediocridade
Ou da menoridade
Que nos preenche a alma.

Isabel Rosete





Não há espaços ancestrais
Que nos acolham!

Que mãos terríveis
As dos Homens!

Tão trémulas e tão vacilantes
Quanto o mais frágil vime;

Tão poderosas e monstruosas
Indignas e vis
Quanto a alma de um tirano!

Isabel Rosete

terça-feira, 30 de março de 2010

"Morte e Re-nascimento de Cristo", por Isabel Rosete



Não há propriamente uma data determinada nem para o morrer, nem para o re-nascer de Cristo – essa ex-traordinária e iluminada figura que a História nos doou, como uma benção – para além das convencionadas no calendário católico/religioso.

Não obstante estarmos bem perto de comemorar o re-nascimento desde judeu amaldiçoado pela vileza dos homens e, por extensão, a Paz, a Solidariedade, a Luz, a Verdade, o Bem, o Amor, a Justiça..., não devemos esquecer, caro leitor, que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia, pela histeria colectiva das multidões enfurecidas, alucinadas pela sede do sangue, fresco e quente, de um Homem que tinha tão-só por missão salvar a Humanidade de si mesma e dos seus próprios perigos e erros

Iludir a realidade a reboque das comemorações convencionais, só porque são convenções (cada vez mais minadas pelo exacerbado consumismo que nos esgota as bolsas) não faz, jamais, a Humanidade crescer, pensar ou reflectir sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos maculadas, amiúde, pelo sangue jorrado das Almas e dos corpos inocentes.

Enquanto uns estão à mesa a confraternizar com as suas famílias (mesmo que sobre as franjas da hipocrisia, todos o sabemos!), em serenidade e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, especialmente organizado para a Páscoa celebrar (mas que Páscoa!? Mas que celebração!?), outros morrem de subnutrição, aí mesmo ao nosso lado, espalhados por esse mundo imenso, sem dó, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras infundadas e da violência gratuita.

O tormento, a amargura, dessas gentes vexadas na sua humanidade pela malvadez, pela violência, pela crueldade... não se exaure pelo simples facto de o dia de Páscoa estar quase a chegar, não se extenua durante uns escassos momentos de tréguas. Lamentavelmente, tudo permanece do mesmo modo, em alguns casos, camufladamente, noutros claramente visíveis, apenas ocultos para aqueles que, por conveniência, não querem ver.

Recuso-me, por conseguinte, a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram que há mendicantes, crianças e velhos, moribundos e desamparados, povos em guerra…, quando a Páscoa é, oficialmente, solenizada.

A memória dos homens, seja a curto ou a longo prazo, não deve continuar minguada; a memória dos homens não deve somente ser testada, assim como a sua humanidade (ou pseudo-humanidade), quando o socialmente instituído é festejado.

Torna-se óbvio que o Espírito da Páscoa jamais se deve restringir ao dia de Domingo, pelo calendário determinado. O Espírito da Páscoa deve, ao invés, estar presente, sempre, em todas as mentes e em todos os dias das nossas vidas, tão efémeras quanto a de Cristo.

O tinir do sino, que pelas ruas e praças difunde o seu som de apelo, anunciando a chagada, a cada casa, da cruz de Cristo, nunca é capaz de eliminar ou de abafar o som da miséria humana, pelo menos para aqueles que escutam todos os ecos, para além dos ensurdecedores ruídos, que enxergam mais longe, para além das aparências, dos convénios, dos pré-conceitos, ou do chamado politicamente correcto (odeio esta expressão!).

Urge, estimado leitor, abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão; é imperativo fazer renascer, em todo o seu fulgor, o Espírito Crítico, por detrás de todas as máscaras, de todos os discursos vazios de conteúdo, meramente convenientes para uma escassa minoria.

Isabel Rosete

“A PAIXÃO DE CRISTO” REVISITADA", por Isabel Rosete

Se atentarmos nas passagens da Bíblia em que Gibson se inspirou para realizar A Paixão de Cristo, é isso mesmo que se sente, vê, escuta e vivencia: violência, crueldade, muito sangue derramado, inocentemente.
Todos os relatos da época confirmam, sem reservas, essa atrocidade, essa des-humanidade, essa insensata histeria colectiva, movida pelo gosto da agressividade e pelo prazer do ódio.
O realizador, frisemo-lo, não enfatizou ou empolou a contextura epocal, como sustentam os espíritos menos esclarecidos. Apenas a mostrou, na sua plena autenticidade.
A humanidade é assim mesmo: bárbara, violenta, vil... Toda a História o mostra. Só que nem sempre o vemos. Nem sempre o queremos ver. Ou, simplesmente, não convém que o vejamos. É mais cómodo compactuar com o regime, mesmo que, literalmente, o abominemos.
Cristo foi tão-só mais um, entre tantos outros, mártire dessa bestialidade, insensibilidade e leviandade exacerbada dos Homens.
Cristo não convinha ao sistema instituído. Foi um revolucionário. Um verdadeiro rebelde. A sua Filosofia, obviamente contestatária. Naturalmente, teve de ser morto, como também o foi Gandhi, por razões idênticas, só para dar mais um exemplo histórico da Intolerância des-medida.
Assim é a postura de todos os regimes políticos totalitários, os de ontem, os de hoje, os de sempre! Dogmáticos, inflexíveis, intocáveis, pretensos donos da verdade absoluta, não admitem, outras verdades, outras visões do mundo, ou, apenas, uma outra ordem.
É preciso mostrar a todos os olhares dis-persos, do modo mais realista possível, o que o Mundo é na sua essência, sem pré-conceitos, sem falsos moralismos. Este Mundo – o de Cristo e o nosso – não é um mar de rosas, mas, sobretudo, uma imensidão de espinhos, camuflados por belas, cheirosas e aveludadas pétalas.
Devemos observá-lo, clara e distintamente, por detrás de todos os véus, de todas as máscaras que ludibriam as mentes ex-traviadas. Devemos pensá-lo, profundamente; analisá-lo, criticamente, com os olhos da razão, que ultrapassa a vulgaridade das opiniões comuns.
Urge não esquecer que vivemos, tal como o experienciou “O Messias”, minados pelo fingimento, pela dissimulação, pela inveja, pela violência gratuita, pela guerra, entre alguns escassos momentos de paz e de enaltecimento dos valores que efectivamente devem prevalecer no coração dos homens: a Verdade, a Honestidade, o Bem, a Solidariedade, a Tolerância, o Respeito pelas Diferenças fundamentais e pela Liberdade essencial de todos os Povos, Estados, Nações…, independentemente dos credos religiosos, das facções político-partidárias, das cores, das raças, das religiões ou das dissemelhanças culturais. Assim o consagrou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só em tese, aceite, porque raramente cumprida pelos pretensos detentores do poder.
Urge, ainda e sempre, re-nascer, para uma Outra Idade, para um outro Mundo, onde a Racionalidade paute os pensamentos e as acções do Homens, onde o Bom-Senso impere, definitivamente, para além de todos os paradoxos ou contra-sensos.

Isabel Rosete

quarta-feira, 3 de março de 2010

MANIFESTO CONTRA A COBARDIA E A HIPOCRISIA – 2ª Versão


Francis Bacon, Study for the Head of a Screaming Pope, 1952.

Para o enobrecimento dos Espíritos PUROS
Por: Isabel Rosete


Não sei mais amar o próximo
Como a mim mesma!

A futilidade é
Claustrofóbica!
A mesquinhez é
Indigna!
E a (dita) … normalidade?

Ah, a normalidade!
A grande farsa
Dos Cobardes e dos Hipócritas,
Dos que blasfemam
No mais sórdido silêncio
Encobertos por opacos véus!
Ah, a normalidade!
A grande farsa
Dos que escondem o rosto próprio
E todas as suas faces
Por medo, por desvario, por ignorância,
Por dissimulação, por sonsice...
Pelo temor das vozes dos outros…
Que não apoiam qualquer acto
De presentificação do ser si-mesmo!

Malditos!
Eternamente vos amaldiçoo!
O fogo do Inferno vos desejo
Com todas as forças
Que ainda me restam,
Até ao meu último fôlego sentido!

Odeio-vos,
Vermes com rosto de gente,
Que até os animais (mais) selvagens desprezam
Como carne putrefacta
Que nem os abutres ousam devorar,
Apesar de famintos!

Tenho nojo de vós,
Asquerosos Cobardes e Hipócritas,
Nem em aparência respeitáveis!

Sois pura afiguração,
Meros pedaços,
Dispersos,
Do ignóbil Nada que vos consome!

Sois,
Malditos Cobardes e Hipócritas,
A praga que a Medicina ainda não aniquilou!

Sois,
Malditos Cobardes e Hipócritas,
Uma espécie exaquerável
De qualquer coisa insignificante,
Sem nome próprio!

Podres estão os vossos corpos
E as vossas almas!
Mas…, que corpos?
Mas…, que almas?

Alma, não tendes!
Nem corpo,
Nem matéria,
Nem forma,
Nem nada que possamos
Identificar com coisa alguma
Que se possa descrever ou mencionar,
Com propriedade!

Sois,
Cobardes e Hipócritas,
De tal modo In-identificáveis
No vosso parecer-ser miserável,
Que todos os adjectivos depreciativos
Se esgotam em todas as línguas
E em todas as linguagens
Para vos classificar!

Porque não morreis,
De uma vez só,
Cobardes e Hipócritas,
Se sois a verdadeira e pura escumalha,
A negra mancha da escassa dignidade
Que ainda nos resta,
A nós,
Que existimos de viso des-coberto,
Aberto…, nos múltiplos e extensos espaços
Da autenticidade do Ser
E do Estar, que vós,
Não conheceis jamais?

Excluo-vos,
Indigentes cobardes
E
Hipócritas,
Do meu pequeno-grande mundo
Mais-que-perfeito.

Se quiserem,
Se ousarem querer,
Alguma vez,
Pelo menos uma vez,
Por entre alguns parcos momentos
De uma eventual lucidez remota
Que ainda possa surgir
Nos vossos espíritos quadrados encurralados,
Digam que sou ARROGANTE,
Vá, digam, se sois capazes!
Mas digam-no em VOZ BEM ALTA,
Miseráveis Cobardes e Hipócrates!

Eu,
Apenas afirmo:

TRANSPARÊNCIA e TOLERÂNCIA,
Meus queridos!
TRANSPARÊNCIA e TOLERÂNCIA,
Repito,
Agora a sempre…
Para sempre…
Neste e em todos os meus manifestos
Contra a COBARDIA e a HIPOCRISIA!

É tão-só a TRANSPARÊNCIA
E a TOLERÂNCIA
Da (IN) TRANSPARÊNCIA e
Da (IN) TOLERÂNCIA,
Que me corre nas veias!

É tão-só a TRANSPARÊNCIA
E a TOLERÂNCIA
Da (IN) TRANSPARÊNCIA e
Da (IN) TOLERÂNCIA,
Que move as minhas sinapses neuronais!

É tão-só a TRANSPARÊNCIA
E a TOLERÂNCIA
Da (IN) TRANSPARÊNCIA e
Da (IN) TOLERÂNCIA,
Que alimenta a minha Alma!

E tão-só a TRANSPARÊNCIA
E a TOLERÂNCIA
Da (IN) TRANSPARÊNCIA e
Da (IN) TOLERÂNCIA,
Que me fustiga o Espírito!

O que quereis mais,
Gente medonha e estúpida?

Se não tendes mais nada para dizer,
Se não sois mais capazes de engolir,
A frio,
A vossa Cobardia e Hipocrisia,
CALAI-VOS, PARA SEMPRE!

Isabel Rosete
30/04/2008
04/03/2010

terça-feira, 2 de março de 2010

Lástimas para quê?

É claro! Lastimando-nos ou não, a Vida continua do mesmo modo no seu curso natural, num misto de determinismo e de liberdade.
Ninguém é auto-suficiente! Nada é, apenas, por si só! Há sempre um outro, muitos outros... na mesma lástima (ou pior!) do que a nossa.
Caetano Veloso diz: "Navegar é preciso, viver não é preciso!" Parafraseando-o para este contexto, afirmo:" lamentar não é preciso; agir é preciso!”
Chega de discursos de mágoas apelando para a “solidariedadezinha”, para a “caridadezinha”! Chega de discursos ditos politicamente correctos, por detrás dos quais reina a hipocrisia e o mero oportunismo, mesmo perante as irremediáveis e incontornáveis catástrofes naturais!
Sinceramente estou farta de “bodes expiatórios” e de “muros de lamentações”; das farsas de uma humanidade ludibriada e de rosto encoberto; de mãos que não agem; de braços cruzados, que para nada de mexem, de diálogos que são monólogos vazios; de politiquices, de tachismos, de compadrios!
Ainda não perceberam que somos completamente inúteis se não colocarmos em acção os nossos pensamentos autênticos e necessários, e as palavras que os dizem? Claro que perceberam, mas não vos convém! É mais comodo assistir, de camarote, como meros observadores passivos, pensando que há sempre alguém que se mova por nós!
Desculpem, meus senhores e minhas senhoras, mas a esta onda não me agita! Só as ondas alterosas dos mares vigorosos por onde, outrora, navegaram os grandes, os verdadeiros heróis deste País, que fizeram História, pela sua bravura, coragem, ambição, sentido real de Pátria, conscientes dos reais problemas nacionais que pretendiam, de facto, resolver (e resolveram, e para isso se moveram!), quais almas nobres de punho forte que assim foram conduzidos, apesar de todos os obstáculos e intempéries desse mar imenso, com mostrengos e algumas sereias, a construir um Império, onde se fundamentou e estruturou a dignidade do Povo português, hoje, sem norte, decaído, num caos económico, também intelectual e moral de um povo sem crédito.
Podem dizer que sou lunática, saudosista, arrogante, exacerbadamente patriota… ou seja lá o que for! Porém, ergo a minha consciência e a minha voz sempre e onde for necessário, e de rosto aberto; também movo as minhas mãos para todas as acções que tiver de realizar em nome de um Portugal completamente renovado, quer dizer: de um Portugal sem corrupção, sem mentiras, sem escutas escusas, sem comportamentos por debaixo do pano, sem pressões absurdas sobre o que é pensado e escrito, porque a Verdade não querem que aflore.

Isabel Rosete
02/03/2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

Isabel Rosete na sessão de lançamento da obra "POIESIS", editorial Minerva




Lançamento do livro de Isabel Rosete "Vozes do Pensamento" (uma obra para espíritos críticos)

CONVITE:

Espero-vos no lançamento do meu livro, "Vozes do Pensamento", a realizar no próximo dia 20 (Sábado) deste mês, pelas 21.30h, na Livraria Leitura (Centro comercial "Cidade do Porto").

Saudações poético-filosóficas,
Isabel Rosete



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Isabel Rosete dá entrevista ao "Diário de Aveiro" (18/02/2010) - Filosofia e Poesia

“A Filosofia devia ser um dos pilares da política”

Isabel Rosete, cuja vida tem sido dedicada à Filosofia, é autora de várias obras poético-literárias, preparando-se para publicar outras três em breve

Carla Real

Com 45 anos, Isabel Rosete, de Aveiro, possui um mestrado em “Estética e Filosofia da Arte”, é doutoranda na mesma área. Professora de Filosofia, é também responsável pela publicação de várias obras poético-literárias e de cariz científico.

Porque decidiu enveredar pela área da Filosofia?
A Filosofia tornou-se uma verdadeira paixão (eterna), desde o meu 11.o ano. Tive a sorte de me ter cruzado, nessa altura, com dois professores extraordinários, que, até hoje, recordo como autênticos modelos do que é ser, de facto, professor de Filosofia: sabiam o que é a Filosofia, qual a sua real utilidade e como a ensinar, devidamente, aos adolescentes em formação pessoal e social continuada.
Mostraram-me como a Filosofia é absolutamente imprescindível na vida quotidiana, porque só fala do que é e de quem é o Homem, do seu ser e do seu estar consigo mesmo, com os outros homens, com a Natureza e com o Universo; que é essa radical e abrangente área do saber que mostra todas as coisas tal como são na sua autenticidade, rompendo os ignóbeis véus das aparências, sem preconceitos de qualquer espécie, quais cancros que minam, cada vez mais, a sociedade presente, lamentavelmente afastada das lides filosóficas.
Demonstraram-me que a Filosofia é, primeiro: a própria vida em todas as dimensões, e que, por conseguinte, viver sem ela, não é propriamente viver, mas, tão-só, sobreviver de olhos cegos e ouvidos surdos; e segundo: o maior e mais nutritivo alimento do espírito, do pensamento, a que, afinal, nós, Homens, nos reduzimos, sem esses abstraccionismos linguísticos ou conceptuais que lhe costumam atribuir.

E a Psicologia? Quando aparece?
A Psicologia surgiu por arrastamento, embora como um complemento integrante e indispensável da própria Filosofia, sempre com ela interseccionada. Esta outra paixão (também eterna e em crescendo), surgiu quando frequentava o 10.o ano. E, tal como a paixão pela Filosofia, intensificou-se profundamente enquanto cursava a licenciatura de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde tive o privilégio de ser aluna de grandes mestres, de conviver com verdadeiros professores, igualmente modelos de docência, a quem devo tudo o que sei e sou hoje.

A Isabel destaca-se pela forma peculiar como aborda a cadeira de Filosofia, muitas vezes considerada “monótona” pelos alunos. Como faz para os cativar para essas matérias?
Transmitindo-lhes o entusiasmo, plenamente vivo e sentido que, em mim, a Filosofia fez emergir, pela sua irredutível necessidade e utilidade permanente. A Filosofia, que só deve ser leccionada pelos profissionais portadores da convicção do ser filósofo e não por aqueles apanhados pelas negras malhas que regem o docente-funcionário público, “cumpridor” de programas para as estatísticas, é um bálsamo para as novas mentes em formação, e não mais uma actividade supérflua ou um conjunto de ideias abstractas reservadas a uma determinada elite.
Esse cliché de que a Filosofia é “abstracta” surgiu daqueles que subverteram a sua essência em virtude de uma leccionação “monótona”, resultante, não da Filosofia em si, mas de um mero e terrível papaguear de conhecimentos exclusivamente a partir de um manual escolar, sem criatividade de materiais e de estratégias didácticas que estimulem os alunos para o crucial acto de pensar.
O Portugal de hoje é um exemplo, “claramente visto”, da ausência desta atitude nos políticos que nos (des)governam. Esta é uma constatação convicta da real e urgente necessidade da Filosofia como um dos pilares fundamentais onde a política deve alicerçar-se.
O verdadeiro professor de Filosofia é, por essência, um pedagogo, um guia, um orientador que auxilia os alunos nos respectivos partos intelectuais, que os estimula a parir ideias que, nas suas mentes, estavam em estado de latência e que, por esta forma de amor à sabedoria, são espicaçadas e, então, brotam para o estado manifesto.

Descreva, sucintamente, as obras poético-literárias que publicou até agora.
São obras de cariz eminentemente filosófico. Aliás, devo confessar-lhe que foi justamente a Filosofia, assim sentida e vivida, que me abriu o caminho para a poesia, para a prosa poética e para a literatura. Estas sementes começaram a germinar com mais visibilidade aquando da feitura do curso de mestrado em “Estética e Filosofia da Arte” e, sobretudo, durante as investigações realizadas para a tese de Doutoramento em curso, dedicada – a partir do pensamento de Martin Heidegger – à poesia e ao canto dos poetas, perspectivado ecologicamente.
Concebe-se a poesia enquanto forma privilegiada da arte se dar (para Heidegger, e para mim também, toda arte é poesia), como a forma explícita de salvaguarda da Terra, como o grande grito universal do pensamento contra as investidas do projecto da ciência-técnica modernas que minam e corrompem a Natureza, provocando constantes desequilíbrios eco-sistemáticos. E, deste modo, como meio de alerta para a necessidade de se redimensionar e reestruturar uma outra humanidade, cujo pensamento não seja mais inconsciente e calculista, e cujas mãos não sejam mais exterminadoras.
Cada obra minha publicada em antologias poético-literárias nacionais e internacionais, exprime estas preocupações, esta minha forma de auscultar o mundo humanamente e em plena harmonia com a Natureza, onde me integro ou não, completamente, quer me refira a “Vide-Verso”, “Roda Mundo 2008”, “Poiesis” ou “Roteiro(s) da Alma”.
Nelas, pode ler-se, entre outras, “Quantos são os mistérios da escrita”, “Nas montanhas do coração” (ensaio sobre o poeta alemão Rainer Maria Rilke), “Advém o turbilhão dos sentidos”, Ouso ousar o tudo”, “Abomino o egocentrismo”…

Qual o tema dominante na sua escrita?
Movo-me por vários temas e autores, de âmbito muito diverso. Tanto escrevo sobre Heidegger, Nietzsche, Kant, Platão, Freud ou Piaget, no âmbito da Filosofia /Psicologia, ou sobre Vergílio Ferreira, Fernando Pessoa(s), Padre António Vieira, Rainer Maria Rilke ou Holderlin, nos domínios da literatura e da poesia.
Talvez por influência dos assuntos centralmente abordados por estes autores, que venho estudando ao longo de todos estes anos, escreva, com particular incidência, sobre a vida e a morte, sobre o estado actual da Humanidade e da Natureza, sobre a linguagem, o pensamento e o acto de escrever, sobre o amor, o mistério, a criatividade, a arte ou a identidade, a hipocrisia, os preconceitos e a inveja, que muito me atormentam…

Como caracteriza a sua próxima obra “Vozes do Pensamento – Uma Obra para Espíritos Críticos”, cujo lançamento está previsto para o próximo mês?
Esta obra, a primeira individual que publico em Portugal, composta por duas partes, “Interiores” e “Versões de Mundos”, exterioriza, precisamente, e como o próprio título indica, as vozes que há muito ecoam dentro do meu pensamento, que viaja, por vezes, hiperbolicamente, por todos os lugares, nessa eterna busca pela verdade e pela sabedoria, pelas essências das coisas que, amiúde, se nos ocultam. Talvez esteja a fazer Filosofia através da poesia, como sugerem alguns dos meus leitores.
São pensamentos dispersos, vividos e por viver, projectados, sonhados ou recordados, sobre temas que o meu pensamento foi ditando e as minhas mãos escreveram.
Trata-se de um desabafo da minha alma e do meu corpo sobre mim mesma, e sobre o mundo, tal como ele é e se me apresenta em todas as suas dimensões que, quiçá, corresponde a muitos desabafos da grande generalidade dos seres humanos.
É um livro intimista, onde podem ler-me, integralmente, na mais pura transparência do meu (vosso!?) ser e existir, pensar e sentir. Também altruísta, onde os actos ignóbeis dos homens são condenados, dos pontos de vista ético, social e político, e os seus nobre feitos celebrados.
Nada mais vou adiantar sobre este livro, para que os meus eventuais leitores (espero que sejam muitos), adolescentes, jovens e adultos, descubram, por si próprios, o espírito que o percorre e, quiçá, nele se vejam ou revejam, como num espelho, e se redescubram, sem narcisismo.
Estas “Vozes” ainda não se silenciaram. Far-se-ão ouvir, ainda mais alargadamente, nos meus próximos três livros, já no prelo: “Entre-Corpos”, “Fluxos da Memória” e “Mundos do Ser e do Não-Ser”.

LEGENDA DR: “Lamentavelmente, a sociedade actual está afastada das lides filosóficas”

FIM

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Auschwitz - A indústria da morte nazista.


A indústria da morte

Símbolo da crueldade nazista, o campo de concentração onde 1,1 milhão de pessoas perderam a vida revela como as atrocidades foram o resultado de um trabalho planejado, disciplinado e eficiente.

Matar um inimigo é fácil. Basta disposição, oportunidade e alguma força. Matar milhares de inimigos dá mais trabalho. Requer poder e, não raro, uma guerra. Agora, matar milhões de pessoas, eliminar populações inteiras e varrer do mapa comunidades não é para qualquer um. Requer um arraigado sentimento de superioridade, doses cavalares de fundamentalismo, e consentimento popular. E, do ponto de vista puramente logístico, um grande esforço de organização, planejamento minucioso e disciplina. É preciso ter uma máquina extremamente eficiente em mãos.


Prisioneiros a espera do trem que os levaria ao campo

Poucas vezes na história, talvez nunca antes nem depois, um governo se sentiu tão à vontade para executar a terceira situação descrita acima quanto os nazistas na Alemanha, Áustria, Romênia, Iugoslávia, Itália, França, Bélgica, Holanda, Bulgária, Hungria, Letônia, Lituânia, Ucrânia, Bielo-Rússia e Checoslováquia, mas, principalmente na Polônia. Nesses países, os seguidores de Hitler colocaram em prática um projeto inédito de limpeza étnica que levou a deportações, evacuações em massa, expurgos, migrações forçadas, prisões e, por fim, ao extermínio planejado de quase 6 milhões de pessoas. O modelo ultimado dessa máquina de extermínio só ficou pronto com os campos construídos e operados durante a guerra na Polônia. Entre eles, o maior, localizado em Auschwitz, no sul do país. Lá, entre maio de 1940 e janeiro de 1945, cerca de 1,1 milhão de pessoas morreram. A maioria era de judeus, mas havia prisioneiros de guerra soviéticos, dissidentes políticos poloneses, ciganos e testemunhas-de-jeová. Esta reportagem não vai explicar o porquê de toda essa gente ter sido morta. Isso tem rendido nos últimos 60 anos especulações e estudos profundos da alma e da política do nazismo e da Alemanha. Nosso esforço vai se concentrar em explicar como os nazistas planejaram e operaram a maior indústria de extermínio de todos os tempos. Que inteligência esteve por trás dessa máquina de assassínio em massa? Que ideologia a justificou? E quem foi quem no sistema: militares, empresários, cientistas, arquitetos, políticos, juristas, carcereiros e burocratas.

Raízes do mal

No final de abril de 1940, uma comitiva militar de 6 veículos cruzou a região da Alta Silésia, no sul da Polônia. As estradas poeirentas tornavam a viagem difícil e o avanço lento. A paisagem se limitava a extensos trechos de florestas e campos sem cultivo. Por duas horas, nenhum vilarejo foi visto. No segundo carro do cortejo estava Rudolf Hoss, um proeminente capitão da SS, a temida tropa de choque nazista. O local que eles procuravam aparecia nos velhos mapas como um conjunto de galpões construídos pelo Império Austro-Húngaro durante a 1ª Guerra Mundial, todos de madeira, a maioria em péssimo estado. No mapa da nova Europa que os nazistas desenhavam, porém, o nome daquele lugar no meio do nada ganharia destaque e ficaria para sempre marcado na história.

Seis meses antes, a Alemanha tinha invadido a Polônia e iniciado a 2ª Guerra. Agora os nazistas colocavam em marcha o plano de utilizar o número crescente de prisioneiros de guerra nas fábricas e indústrias alemãs, onde seriam explorados como mão-de-obra escrava. Hoss tinha uma missão e tanto pela frente: “Precisava criar um campo que pudesse abrigar 10 000 pessoas, antes da chegada do inverno”, escreveu. Em apenas 20 dias chegariam os 728 primeiros prisioneiros de Auschwitz: todos homens poloneses, fortes e saudáveis, acusados de resistência. Entraram pelo portão da frente, onde Hoss mandara escrever: Arbeit macht frei (ou “O trabalho liberta”). A frase, que cheira como um apfelstrudel de sarcasmo, revela a prioridade dos nazistas naqueles primeiros tempos da guerra: conquistar territórios para a Grande Alemanha e transformá-los, rapidamente, em mais um pistão da azeitada indústria de guerra. Apenas 3 meses após sua inauguração, já havia 8 000 pessoas no local.

Localizado a 30 km de um conjunto de minas com algumas das melhores jazidas de carvão da Europa, o campo de Auschwitz também chamou a atenção de um grande grupo industrial químico alemão, a IG Farben, que apresentou ao governo nazista um plano para instalar ali uma fábrica de borracha e combustíveis sintéticos. Os empresários fariam enormes investimentos na região. Em troca, pediam a garantia de mão-de-obra abundante. E barata.


Localização do campo no mapa

A idéia ganhou de cara um apoio de peso: o marechal Heinrich Himmler, comandante supremo da SS, um dos homens fortes do Reich. Segundo o historiador Christopher Browning, da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, longe de ser uma iniciativa isolada, a construção de campos como Auschwitz – que Himmler chamava de colônia-modelo – estava intimamente ligada aos planos de expansão da Alemanha, revelando dois dos principais temas que qualquer nazista recitaria de cor: o lebensraum (ou “espaço vital”) e a superioridade racial.

Aqui, talvez seja necessário um parêntese. Para os nazistas, o lebensraum era o espaço necessário para a expansão territorial e a prosperidade do povo alemão. O plano incluía a reintegração de todos os povos germânicos – inclusive os do Brasil. A idéia desse Shangri-lá nazista no leste desemboca na segunda máxima do rosário nazista: a questão racial. Já que era no lebensraum que os nazistas prometiam a reunificação da raça ariana, representada pelas populações de origem germânica, ficavam de fora eslavos, judeus, ciganos. “As teorias de supremacia racial não eram novas, nem exclusivas da política nazista nos anos 30. A novidade é que, com o início da guerra, os alemães sentiram-se à vontade para pôr em prática seus planos de limpeza étnica e racial”, diz Browning. Fecha parêntese.

Himmler esteve em Auschwitz pela primeira vez em março de 1941. Numa reunião secreta, ele anunciou seu desejo: que a capacidade do campo pulasse para 30 000, o que faria de Auschwitz o maior dos campos de prisioneiros. Esses planos de ampliação só foram descobertos recentemente, após a morte do arquiteto alemão Fritz Ertl, que tinha guardado reproduções do projeto. Pelas plantas, é possível ver que o novo complexo previa até dormitórios para oficiais da SS. Himmler tinha ali seus próprios aposentos, para os quais cada móvel, dos aparadores às poltronas, das mesas de trabalho aos enfeites na parede, foi desenhado com exclusividade.

Enquanto isso, os prisioneiros trabalhavam duro, cavando fossas, fabricando tijolos, construindo prédios, abrindo estradas, colocando trilhos, carregando e descarregando trens. E, apesar do foco no trabalho – como se diria hoje em dia –, Auschwitz já demostrava outra vocação: mais da metade dos 23 000 prisioneiros enviados no primeiro ano para o campo morreu antes de completar 20 meses na prisão, abatida pela fome, exaustão e maus-tratos.

Aniquilação

Em maio de 1941, as tropas alemãs invadiram a URSS. Em 4 semanas de combates, foram feitos 3 milhões de prisioneiros – 2 milhões morreriam antes de 9 meses na prisão. Segundo o historiador britânico Robert Gellately, autor de The Specter of Genocide (“O Espectro do Genocídio”, inédito no Brasil), a invasão da URSS alterou os rumos da guerra no leste, iniciando a guerra de aniquilação, ou vernichtungskrieg, termo utilizado por Hitler para explicar que o objetivo alemão seria destruir completamente o Estado comunista. Para os nazistas, a aniquilação dos soviéticos era justificável: primeiro por causa das crenças racistas, que viam na mistura do comunismo com o judaismo a pior raça possível – eram numerosas as comunidades judaicas na URSS. Depois, do ponto de vista prático e logístico, o desfecho das vitórias que fatalmente aconteceriam elevaria sobremaneira a quantidade de prisioneiros sob os cuidados da Alemanha, tornando-se inviável garantir sua sobrevivência.


Campo visto pelo alto

Em 22 de maio de 1941, a comissão econômica do 3º Reich se reuniu para discutir a logística após as primeiras semanas da invasão. As atas desse encontro foram encontradas em Berlim após a guerra e permaneceram durante muito tempo secretas. Recentemente foram publicadas pelo historiador americano Richard Overy, no livro Russia’s War (“A Guerra da Rússia”, sem tradução em português). “Se quisermos avançar em território soviético, temos que reduzir o consumo de alimentos e de energia das populações locais”, diz um trecho do relatório. Mais adiante, o documento conclui: “Nada de falsa piedade. Milhões morrerão de fome”.

A entrada em cena dos prisioneiros soviéticos acelerou os planos de extermínio nos campos. Em julho de 1941, membros do Programa de Eutanásia de Adultos, o Aktion T4, visitaram Auschwitz pela primeira vez. Criado em 1937, o programa de limpeza genética dos nazistas incluía a eliminação de crianças portadoras de deficiências ou com doenças terminais e a esterilização de adultos nessas condições. “Após o início da guerra, o T4 foi levado aos territórios ocupados e a lista passou a incluir adultos que não estivessem aptos para o trabalho”, diz Gellately. Os indesejáveis eram enviados para clínicas como a de Sonnestein e lá conduzidos a salas com falsos chuveiros, cujos canos não estavam ligados à água, mas a cilindros de monóxido de carbono. Cerca de 70 000 pacientes foram assassinados assim, entre 1939 e 1941. Naquele mês de julho, o T4 selecionou 575 prisioneiros de Auschwitz para morrer assim.

“A experiência da T4 na utilização de gás nas execuções foi a resposta para um problema logístico”, diz o historiador Michael Vildt, da Universidade de Hamburgo. Em 1941, os fuzilamentos em massa tornavam-se cada vez mais comuns. Os einsatzgruppen da SS (literalmente “grupos de mobilização”, mas que pode ser traduzido como “operações móveis de assassinato”), circulavam por trás das linhas de combate e perseguiam civis soviéticos e membros das comunidades judaicas da região, contando, muitas vezes, com o apoio de voluntários locais – ucranianos, lituanos, letões, entre outros – para capturar, fuzilar e enterrar os corpos. Em 15 de agosto daquele ano, Himmler assistiu à execução de prisioneiros acusados de incitar uma revolta contra os alemães em Minsk, na Bielo-Rússia. Em seus diários, encontrados em 1998 nos arquivos da extinta KGB, Himmler relatou que as vítimas chegaram em caminhões a um campo onde havia valas já abertas. Ao ver as covas, alguns presos tentaram correr e foram baleados, 1, 2, às vezes 3 vezes. “Enorme esforço para fuzilar apenas 100 pessoas”, anotou o líder da SS. Após o “esforço”, o general Erich von dem Bach Zelewski teria dito a Himmler que havia mais um inconveniente: o efeito negativo sobre os soldados. O rito sumário, a morte de crianças, velhos e mulheres civis, estaria abalando o moral dos seus homens.

“Himmler saiu dali convencido de que era preciso arrumar uma maneira melhor de matar”, afirma Vildt. “Tanto que incumbiu Albert Widman, tenente da polícia técnica e científica da SS, um veterano do T4 na Alemanha, de adaptar suas experiência com monóxido de carbono aos campos de prisioneiros.” Em junho, Widman havia questionando a viabilidade de deslocar cilindros do gás para locais de execução fora da Alemanha. Diante disso, ele sugeria um novo tipo de câmara de gás volante – caminhões fechados que tinham o cano de descarga voltado para o interior do veículo. Na mesma época, em Auschwitz, Karl Fritzch, tenente da SS e vice de Rudolf Hoss no comando do campo, fazia suas próprias experiências. Segundo Hoss, foi durante uma viagem dele a Berlim, que Fritzch teria tido a idéia de usar ácido cianídrico para eliminar os prisioneiros. Na época, uma marca popular desse produto era comercializada com o nome de Zyklon B (“ciclone”, em português) e ele estava fartamente disponível em Auschwitz, onde era usado para combater as constantes infestações de piolhos e outros insetos – o veneno tinha a vantagem de ser altamente tóxico e invariavelmente letal. Fritzch escolheu o bloco 11 para seu primeiro teste com Zyklon B. Numa noite entre o fim de agosto e o início de setembro de 1941, portas e janelas do galpão foram vedadas e os guardas da SS receberam máscaras de proteção. Cerca de 160 prisioneiros foram colocados nas celas do porão e o Zyklon, espalhado pelo local. Na manhã seguinte, muitos continuavam vivos. A dose teve de ser repetida até que todos morressem. Hoss admitiu “Essa história do gás me tranqüilizou. Sempre tive horror das execuções com pelotões de fuzilamento. Fiquei aliviado ao pensar que seríamos poupados daqueles banhos de sangue”.

No final daquele ano, Auschwitz havia ficado pequeno para tanta atividade, e o engenheiro Karl Bischoff foi incumbido de desenhar o projeto que praticamente criaria um novo campo, a 3 km do anterior. O local escolhido fora ocupado por uma pequena aldeia que os poloneses chamavam de Brzezinka, mas ficaria famoso pelo nome em alemão: Birkenau. O projeto previa 100 000 prisioneiros e estrutura de uma pequena cidade. Diferentemente do antigo Auschwitz, de onde a maioria das plantas e projetos desapareceram, o desenho original de Birkenau foi localizado entre os documentos secretos da antiga URSS, em 1990. Ele revela que, desde o início, o local foi desenhado para abrigar os prisioneiros em condições repugnantes. Não havia água encanada ou assoalho nos barracões. Adaptados dos antigos campos da Alemanha, onde cada preso tinha seu catre, os planos de Birkenau previam a colocação de 3 pessoas no mesmo espaço, ou 550 pessoas por barracão. As plantas originais revelam que Bischoff não ficou satisfeito com esses números. Onde se lia “550 por barracão” há uma anotação feita à mão, com o número riscado e trocado por 774. Ou seja, o espaço que nos campos da Alemanha era usado por 1 prisioneiro em Birkenau receberia 4.

Solução final

A invasão da URSS revelou outro aspecto que teria desdobramentos trágicos nos territórios ocupados: o anti-semitismo. A presença de um grande número de comunidades judaicas no país sempre foi apregoada pelos nazistas como prova da conspiração entre bolcheviques e judeus, que teria sido responsável pelos males que assolaram a Alemanha após a 1ª Guerra. “Os judeus começaram a ser sistematicamente perseguidos na Alemanha em 1933, bem antes da guerra. Mas foi nos territórios soviéticos que o anti-semitismo se manifestou numa vertente até então inédita: o extermínio sistemático”, diz Robert Gellately. O britânico Christopher Browning concorda: “O plano nazista para liquidação dos judeus desenvolveu-se por etapas, durante a 2ª metade de 1941, e não era consensual em toda a cúpula nazista. Até a invasão da URSS não se pode afirmar que havia o objetivo de realizar o extermínio”, diz. Segundo ele, o aumento brutal do número de prisioneiros, que superlotou campos e guetos, e a percepção de que a vitória na URSS não seria rápida, fez os nazistas concluir que deportar judeus para o leste consumia homens, armamentos e recursos demais.

Em 31 de julho de 1941, Hermann Goering, um dos homens mais poderosos da cúpula nazista e próximo de Hitler, encomendou ao general Reinhard Heydrich da SS a elaboração de um plano completo de “solução final da questão judaica”, que se tornaria o Protocolo de Wannsee, apresentado à cúpula nazista em Berlim no início de 1942 numa reunião que teve como anfitrião Adolf Eichman, do Ministério Central da Segurança (leia quadro acima). Antes mesmo do encontro em Wannsee, porém, os primeiros trens de deportação de judeus para os campos de extermínio já haviam partido em 15, 16 e 18 de outubro de 1941, de Viena, Praga e Berlim, respectivamente.

Os superlotados guetos poloneses tornaram-se a primeira escala da viagem de centenas de milhares de judeus rumo aos campos de extermínio. Em janeiro de 1942, os primeiros 2 500 judeus de Lodz foram enviados para Chelmno, um pequeno campo na Polônia, dirigido por Herbert Lange, um dos líderes do Programa de Eutanásia de Adultos. Imediatamente ao chegar, os prisioneiros foram obrigados a se despir e levados até uma casa sem janelas. Atrás deles as portas foram lacradas. Um caminhão encostou junto a uma das laterais do prédio e o escapamento foi conectado a uma rede de canos que levava o monóxido de carbono para dentro da casa. Depois de algumas horas, a maioria estava morta. Aqueles que resistiram foram fuzilados. Operações semelhantes estavam sendo feitas em diversos campos na Polônia, como em Belzec, por exemplo, onde morreram os judeus do gueto de Lublin.

Em julho de 1942, Himmler anunciou que todos os judeus sob autoridade do Governo Geral – que era como chamavam a Polônia ocupada – deveriam ser evacuados até o fim do ano. Uma meta e tanto, já que havia 2 milhões de judeus na Polônia, 400 000 só no gueto de Varsóvia. O impacto da notícia em Auschwitz foi tamanho que Rudolf Hoss passou a realizar duas e não mais uma reunião semanal. Todas às terças e sextas, pontualmente às 9 horas, ele juntava seu pessoal para discutir a administração do campo, garantir o ritmo das obras em Birkenau e coordenar a chegada dos novos prisioneiros. Num desses encontros foi decidida a construção de novas câmaras de gás. Adaptadas a partir de duas velhas casas, as chamadas “casinha vermelha” e “casinha branca” tornaram-se, na prática, duas caixas de tijolos com portas e janelas lacradas e apenas duas aberturas: uma na frente por onde os prisioneiros entravam caminhando e uma saída na parte de trás, por onde os corpos eram retirados. Outros campos poloneses, como Treblinka, Sobibor e Belzec, tornaram-se genuínas fábricas de morte. Treblinka, o maior deles, ficava a 100 km de Varsóvia e lá 900 000 pessoas foram mortas. Muito menor que Auschwitz, o campo todo tinha apenas apenas uma plataforma de trens, meia dúzia de barracões e um enorme complexo de câmaras de gás, com capacidade para 2 000 pessoas ao mesmo tempo. O comandante de Treblinka, Franz Stangl, mandou plantar flores, pintou as plataformas em tons vivos e colocou placas com os horários de chegada e partida dos trens, como se aquilo fosse uma estação de verdade. Disfarçou as câmaras de gás em salas de banho, para que os prisioneiros permanecessem calmos, sem reclamar, sem tentar fugir ou provocar confusão. A oferta do banho tinha, ainda, um objetivo muito prático (e muito cínico). Nus, os corpos depois de mortos não precisavam ser despidos, o que poupava as roupas para serem reaproveitadas. Entre os prisioneiros enviados para lá, 99% estavam mortos duas horas após desembarcar do trem.


Portão de entrada do campo onde se ler a frase: O Trabalho liberta

A escalada de mortes causava outro desafio logístico: livrar-se de tantos corpos. Em Auschwitz, no início, eles eram enterrados, mas com o verão o cheiro se tornava insuportável. Em setembro de 1942, Hoss visitou o campo de Chelmno e lá conheceu um método de cremação único e muito eficiente. Ele contou que o coronel Paul Blobel tinha mandado abrir valas de 3 x 3 metros e 4 metros de profundidade. A um metro do fundo, instalava barras de aço transversais. Depois, despejava gasolina no buraco. Sobre as barras ele depositava os corpos intercalando-os com lenha, para que queimassem completamente. As cinzas caiam pelo vão entre as barras, liberando a grelha para que pudesse ser usada novamente. Quando elas atingissem a altura das barras de aço, bastava manejar a estrutura para cima, até que toda a vala ficasse repleta de cinzas. Humanas.

Em março de 1942, embora mais de 1 milhão de judeus já estivessem mortos, cerca de 80% de todos os que morreriam durante a guerra ainda estavam vivos. Durante os 12 meses seguintes, a porcentagem se inverteria. Em maio de 1943, apenas 20% de todos os judeus que morreram no Holocausto ainda estavam vivos.

Apogeu e queda

Os arquitetos alemães estavam trabalhando duro em Auschwitz na 2ª metade de 1942, na construção dos novos crematórios em Birkenau. No projeto inicial, os prédios sob o nível do solo serviriam como necrotérios, para onde os corpos seriam levados e queimados. No entanto, as plantas passaram por consecutivas alterações. O enorme porão foi dividido em salas menores e a rampa entre os porões 1 e 2, por onde desceriam os corpos, deu lugar a uma escada de degraus largos. Algo aparentemente incoe*rente, já que o prédio receberia mais gente morta do que viva. As portas duplas, que abririam para dentro, foram substituídas por uma porta única, abrindo para fora, com vedação reforçada e um visor. No final das alterações, o necrotério havia se transformado numa supercâmara de gás, que matava até 2 000 pessoas em uma hora e garantiria a fama do lugar.

Outro nome para sempre associado a Auschwitz, o médico Josef Mengele, chegou ao campo no início de 1943. Mengele instalou-se no crematório 2, onde mantinha consultório, ambulatório com 8 leitos e laboratório. Ali, ele realizou estudos genéticos – uma obsessão nazista – e fez experiências médicas ligadas à guerra, como com gangrena e queimaduras. Uma de suas atividades prediletas era realizar autópsias simultâneas em gêmeos, algo raríssimo – em que outras circunstâncias dois irmãos gêmeos morrem ao mesmo tempo e no mesmo lugar? No laboratório de Mengele, assim que morria um gêmeo, seu irmão era trazido e assassinado.


Um dos alojamentos do campo

Em meados de 1943, Auschwitz atingiu seu tamanho máximo. A estrutura se parecia com uma pequena cidade. Para os soldados da SS, a vida era boa. Havia mercearias, cantinas, cinema, clube esportivo e um teatro com programação regular. A turma promovia festas e bebedeiras. O complexo industrial montado pela IG Farben produzia de armamentos a tinta e faturava US$ 250 milhões ao ano, em valores atualizados. Os cerca de 100 000 prisioneiros ficavam divididos em 45 subcampos. Havia um só para mulheres, com 30 000 prisioneiras. Perto dali ficava o “Canadá”, uma área que recebeu esse nome porque o Canadá era tido como um país rico, próspero e, sobretudo, pacífico. Lá funcionava a triagem da bagagem dos presos: de roupas a relógios, o que pudesse ser reaproveitado era enviado para a Alemanha. Para os prisioneiros, aquele era um dos poucos serviços almejados, pois era onde se vivia melhor.


Câmara de gas

Havia também prisioneiros que trabalhavam diretamente com os alemães, como alfaiates, barbeiros e garçons. Mas o trabalho sujo sobrava para o sonderkommando (“comando especial”, em português), o grupo de prisioneiros, judeus ou não, que ajudavam os alemães na operação dos assassinatos. Cada conjunto de câmaras e crematório funcionava com 100 prisioneiros e apenas 4 alemães, aos quais cabia somente introduzir os cristais de Zyklon B. Os prisioneiros eram quem recolhia os corpos e os levava a um elevador. Outra turma os recolhia lá em cima e tratava de queimá-los nos fornos ou em grandes valas a céu aberto.

Até o início de 1944, 550 000 pessoas já haviam sido mortas em Auschwitz. A essa altura, os Aliados sabiam o que ocorria lá e nos demais campos poloneses. Os prisioneiros passaram a conviver com a esperança (e com a desilusão) ao verem e ouvirem aviões aliados sobrevoar o complexo. Em agosto, a unidade da IG Farben em Monowitz, a apenas 6 km de Birkenau foi destruída por um ataque britânico. Os prisioneiros se perguntavam por que as linhas de trem ou as câmaras de gás não eram bombardeadas. E essa é uma das grandes questões da guerra que continuam sem resposta.

Com americanos e ingleses pelo ar e o Exército Vermelho pelo chão, o ritmo de mortes em Auschwitz caiu. Se em julho foram 10 000 execuções por dia, nos meses seguintes o número chegou a menos de 1 000. Hoss, então, resolveu eliminar o maior número de prisioneiros possível. No dia 2 de agosto, 21 000 ciganos foram ao crematório 5. Imaginando que seriam os próximos, os sonderkommando se rebelaram – em 7 de outubro. Atacaram os guardas e tentaram fugir, mas foram capturados e só não acabaram todos mortos porque havia 4 000 cadáveres para serem queimados. Para puni-los, Hoss decidiu alinhá-los e fuzilar 1 em cada 3. Sobraram apenas 92.

Em janeiro de 1945, veio a ordem para que se esvaziasse o campo. Documentos, plantas e telegramas foram queimados e crematórios e câmaras de gás, explodidos. Os soviéticos haviam interrompido as linhas e os trens não chegavam mais ao campo. Por isso, os últimos 50 000 prisioneiros que restavam foram obrigados a andar por 35 km, em meio à neve e sob - 20 ºC. Quem parou ou atrasou a marcha foi morto no caminho. O Exército Vermelho chegou a Auschwitz em 27 de janeiro. Não havia muito mais gente a libertar – apenas 1 200 prisioneiros fracos e doentes que haviam sido abandonados. Em 30 de abril, Adolf Hitler se matou num porão de Berlim. Em 5 de maio, a Academia Naval de Murwick, em Flensburg, norte da Alemanha, território ainda controlado pelos nazistas, foi sede da última reunião da SS. Rudolf Hoss esperava que uma derradeira e heróica ação fosse anunciada. Mas o marechal Himmler despediu-se do grupo e recomendou que todos aproveitassem o colapso do 3º Reich para sumirem no meio da multidão. Hoss então trocou sua farda de oficial por um traje comum da Marinha e se misturou a outros marinheiros em Sylt, uma ilha de veraneio sem nenhum valor estratégico. Himmler foi capturado dias depois e se matou engolindo cápsulas de cianeto de potássio.

Com o nome de Franz Lang, Hoss empregou-se numa fazenda em Gottrupel, norte da Alemanha. Acabou denunciado pela esposa, que havia sido presa e estava sob ameaça de deportação para a URSS. Preso enquanto dormia num estábulo, Hoss foi levado ao Tribunal de Nuremberg. O julgamento levou 3 semanas – tempo que aproveitou para escrever suas memórias, de onde as declarações reproduzidas nesta reportagem foram retiradas. A sentença – morte na forca – foi cumprida em 16 de abril de 1947, num pátio quase vazio em Auschwitz.

Mengele escapou para a Itália e com a colaboração das autoridades locais conseguiu passaporte e uma passagem para a Argentina. Viveu no Paraguai e no Brasil, onde morreu, em 1979, incógnito. Adolf Eichmann se escondeu na Argentina até 1960, quando foi seqüestrado por espiões israelenses. Julgado em Tel-Aviv, ele foi condenado e enforcado. Franz Stangl, o eficiente comandante de Treblinka, fugiu para o Brasil, onde trabalhou no almoxarifado da Volkswagen usando o próprio nome, até 1967, quando foi enfim deportado para a Alemanha. Morreu de ataque do coração aguardando o julgamento. Personagens menos importantes, como o tenente Oskar Gronning, que recolhia os bens dos prisioneiros no “Canadá”, também ficaram impunes. Após a guerra, ele empregou-se na área de recursos humanos de uma multinacional . Em 1964, foi nomeado juiz trabalhista, função que exerceu até se aposentar. Nunca foi julgado e vive hoje em Hannover.


Pilhas de corpos a espera de ser cremados.

Em 1963, os 22 últimos acusados por crimes em Auschwitz foram julgados: 17 saíram condenados, 6 à pena máxima de prisão perpétua. Ao todo, 8 000 homens da SS trabalharam em Auschwitz. Sete mil sobreviveram à guerra. Oitocentos foram julgados. A 90% deles, nunca foi imputado qualquer crime.

Rudolf Hoss

Proeminente capitão da Schutzstaffel, a polícia política de Hitler, mais conhecida pela sigla SS, liderou o campo de prisioneiros de Daschau, na Alemanha, antes de ser nomeado para comandar Auschwitz. Super- dedicado ao trabalho, em suas memórias escreveu que só se arrependia de “não ter podido dedicar mais tempo aos filhos”.

Lebensraum

Elaborado por Konrad Meyer, professor da Universidade de Berlim, o Plano Geral do Leste previa o reassentamento, na região entre a Alemanha e a Rússia, de 10 milhões de alemães espalhados pelo mundo. Para isso, cerca de 31 milhões de pessoas seriam declaradas “racialmente indesejáveis” e enviadas para a Sibéria. E as restantes, usadas como escravas.

Heinrich Himmler

O plano nazista para liquidação dos judeus não era consensual em toda a cúpula nazista, dividida entre o extermínio e a exploração. Comandante supremo da SS, Himmler era um dos expoentes do grupo que defendia o “extermínio pelo trabalho”.

Karl Fritzch

Tenente da SS, era um tipo de vice de Hoss em Auschwitz que assumia o comando quando o chefe estava fora. Numa dessas ausências, foi o primeiro a testar o Zyklon B para envenenar prisioneiros.

Zyklon B

Era comercializado na forma de cristais, que sublimavam em um gás tóxico ao entrarem contato com o ar. Só foi utilizado pela primeira vez por causa da iniciativa de Fritzch. Mas logo cairia nas graças dos nazistas, ao se mostrar o gás capaz de matar mais rápido.

Albert Widman

Membro do programa de eutanásia de adultos, Albert Widman recebeu a missão de adaptar suas experiências com monóxido de carbono aos campos de prisioneiros. Como transportar os cilindros seria caro demais, Widman sugeriu criar caminhões fechados, com o escapamento voltado para dentro do veículo. Mas a idéia não emplacou: o processo era lento demais – e matava apenas 30 prisioneiros por viagem.

Karl Bischoff

Engenheiro aviador e major da SS, foi um dos autores do projeto de expansão de Auschwitz que criou o novo campo de Birkenau. Depois disso, conseguiu se esconder – seu envolvimento com o genocídio só foi descoberto depois de sua morte, em 1950.

Chelmno

Foi o primeiro campo de extermínio a usar gases tóxicos para matar judeus, no final de 1941. Mais tarde, seria também o primeiro a desenvolver fornos crematórios. Quem chegava lá era informado que seria enviado para trabalhar na Alemanha, mas que antes deveria passar por um banho de higienização. Para dar veracidade ao teatro, os soldados da SS se preocupavam em vestir jalecos brancos e se fingir de médicos. No total, 152 000 pessoas foram assassinadas em Chelmno.

Josef Mengele

Médico e cientista, serviu na frente leste, onde recebeu a cruz de ferro por bravura. Em Auschwitz realizou experiências com cobaias humanas, como Eva Mozes Kor, húngara judia, que tinha 9 anos. “Três vezes por semana meu braço era amarrado para restringir o fluxo sanguíneo. Depois eles tiravam meu sangue até eu desmaiar.” A irmã gêmea de Eva, Míriam, não passava pelas mesmas privações, para que os efeitos do “tratamento” pudessem ser comparados.

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Isabel Rosete
Investigação