sábado, 20 de novembro de 2010

Dia Internacional da Filosofia na ESAS
Por: Domingos Faria

Na Escola Secundária Alberto Sampaio, no dia internacional da filosofia (18 de Novembro de 2010), houve uma palestra do filósofo J. M. Curado subordinada ao tema “Platão, Alegoria da Caverna e a Mão que vem de Fora”.

Vamos seguidamente expor as principais linhas da sua reflexão, nomeadamente os aspectos que consideramos mais pertinentes. Fazemos notar que todos os possíveis erros de interpretação ou de infidelidade à mensagem da palestra são da nossa responsabilidade.

Começou-se por fazer notar que a Alegoria da Caverna é uma das páginas mais famosas da filosofia, e que comummente tem sido interpretada à luz do nosso mundo; mais precisamente constitui uma resposta ao seguinte problema: como é o nosso mundo ou a realidade? No entanto, a actividade de qualquer filósofo deve ser pensar sempre de novo; e, é a tarefa de re-pensar a Alegoria da Caverna que J. M. Curado nos sugere. Neste re-pensar podemos passar por três estádios: [1] atendendo à palavra “caverna”; [2] a “caverna” que tem a ver com nós mesmos; e [3] a mão que vem de fora (um “alguém” que puxa as pessoas para fora da caverna).

Analisando o primeiro estádio, J. M. Curado salientou que a Alegoria da Caverna normalmente serve para pensar a condição humana. Porém, existem outros aspectos a considerar. Por exemplo, todos os santuários gregos tinham uma gruta (caverna artificial) onde todos eram iniciados nos mistérios; este estar na caverna significava entrar no outro mundo. Assim, poderia acontecer que Platão não tivesse a escrever uma alegoria (ou algo metafórico da condição ou realidade humana), mas sim algo real que acontecia nas grutas dos santuários gregos. Então, qual será a melhor interpretação da Alegoria da Caverna? Será necessário pensar melhor sobre isto! Mas, vamos para outra questão: o que acontece se alguém estiver numa caverna ou numa gruta “a não fazer nada”? Este “não fazer absolutamente nada” dentro da gruta altera significativamente o comportamento das pessoas, principalmente o estado da consciência. Existe uma espécie de medo de estar dentro da gruta a não fazer nada (algo que foi experienciado com estudantes universitários, o que os levou a ter alucinações e alterações da consciência). Voltando às cavernas gregas, estas eram sítios para profetizar, para alterar o estado da consciência, para ir ao além e ver o além, para se iniciarem as pessoas nos mistérios sagrados. J. M. Curado advogou que a interpretação, do livro VII de Platão, como uma alegoria, e não de uma forma literal, deveu-se essencialmente ao cristianismo, em que se começou a interpretar a gruta como uma metáfora (pois, para o cristianismo a gruta tinha conotações muito negativas).

Para além disso, num segundo estádio deste re-pensar J. M. Curado levou-nos a interrogar: se procedermos a uma actualização da mensagem platónica, terá ela algo a ver connosco? Constatamos que hoje em dia nos sentimos limitados; somos mais cépticos, movemo-nos com mais dificuldade nas nossas certezas, deparamo-nos com limites do nosso conhecer; em suma, nós chocamos com as paredes da nossa caverna, pois, sabemos muito pouco sobre o nosso mundo, sobre a realidade, e a nossa capacidade de conhecer é extremamente limitada – Assim, estamos muito limitados tal como os seres de Platão dentro da caverna. Portanto, Platão ao falar dos limites da caverna também poderia estar a referir-se aos nossos próprios limites, e à diferença entre o que conhecemos e o que não conhecemos, entre conhecimento vs ignorância. Nesta linha de interpretação, as pessoas que estão dentro da caverna são “nós mesmos” (com os mesmos universais humanos e estruturas da realidade). Daqui podem emergir algumas questões: Porque parece que vivemos dentro da caverna? Qual é o tamanho da nossa caverna? Resposta: A caverna onde vivemos é o limite do nosso conhecimento. Mas, porque estamos dentro de um sistema, caverna, que limita o nosso conhecimento? Analisando melhor, percepcionamos que a mente humana é um pequeno mundo (em que tem compressão algorítmica, que resume os dados observados, que resume e simplifica o mundo, etc). Igualmente a mente humana tem uma capacidade de ser regional ou paroquial, em que atende ao que se passa no nosso ambiente mais imediato. Concomitantemente, para conhecermos algo não precisamos de conhecer tudo. Então, voltamos a formular: porque as pessoas de Platão vivem numa caverna? Porque conhecemos sempre de forma local, paroquial, limitada (sempre susceptível a revisões); e não conhecemos o infinito ou tudo de uma forma absolutamente certa sem margem para a mínima dúvida. Assim somos pessoas muito limitadas, em que transportamos uma “caverna” dentro das nossas cabeças. Para além da constatação destes dados, a nossa mente ou “caverna” é bastante complexa onde tem, por exemplo, muitos paradoxos lógicos e com processos cognitivos bastante lentos. É claro que a nossa mente e inteligência poderia ser muito mais simples (aliás, Platão poderia pensar numa caverna bastante mais simples); porém, nós não somos assim tão simples. Temos uma vida complexa dentro da caverna (uma vida de trabalho, estudo, alegrias, tristezas, amizades, etc), mas não deixa de ser uma vida muito limitada.

Por fim, no último estádio, J. M. Curado reflectiu sobre uma mão que vem de fora. Mas, qual é esta mão? Esta mão é “alguém” que vem de fora e auxilia a pessoa que está “lá dentro” para se libertar. Mas, quem é este “alguém”? É alguém que já se libertou da caverna; mas, quem será este primeiro que se libertou a si próprio? Não se encontrou resposta para esta questão.

Apesar disso, vimos nesta palestra como podemos hoje interpretar a caverna e os limites do nosso conhecimento. A caverna é maior do que pensamos e a nossa vida está dentro da caverna (aliás, é dentro da caverna que recebemos presentes, namoramos, estabelecemos amizades, trabalhamos, estudamos, nos divertimos – acaba por ser até algo de bom). Então perguntemos a Platão: porque é que devemos sair da caverna se é bom viver na caverna? Valerá a pena sair da caverna? Fica a questão...

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