domingo, 18 de outubro de 2009


Pensamentos Dispersos,
Isabel Rosete
(21/01/08)

A Guerra, sempre a Guerra, em nome da Paz…

Pátrias desoladas pelos horrores da Guerra. Corpos despedaçados cobrem a Terra com um manto vermelho. O sangue tinge as águas, daqueles que foram e não mais voltaram. Almas ultrajadas vagueiam por este Universo incógnito, sem destino.
Uma criança chora, a preto e branco. Outra soluça, de olhos esbugalhados pelo horror, ao mesmo tempo que se esconde dos Homens de verdes fardas, que correm, de arma em punho, para todos os lugares, pelo sórdido prazer da morte e do sangue. Já não têm Fé, nem Paz, nem Amor, nem Esperança, nem Nada… Já não sabem que são humanos.
Movem-se como autómatos. Tornam-se meras máquinas programadas para matar, indiscriminadamente. A Guerra torna-se um vício, um hábito enraizado, qual nicotina, cuja ausência desatina.
Não há mais um lar habitável para além deste cenário de todas as desgraças. Restam as trincheiras, os campos de batalha, onde a morte de uns é a vida de outros.
Violência e mais violência…Atrocidades e mais atrocidades… movem um ciclo completamente vicioso, sem princípio nem fim. A agressividade perpétua marca os espíritos robotizados dos fazedores da Guerra.
Fazer Guerra para alcançar a Paz, dizem os mentores dos pseudo-projectos de salvação da Humanidade. Que grande ironia! Que tremenda hipocrisia dos espíritos insanos!
A Guerra é o chamamento sem fim das mentes desejosas de expulsar a agressividade, durante anos contida, a violência, sempre reprimida, recalcada pelo convencional, pelo instituído, pelo “politicamente correcto”, nem sempre com fundamento válido visível.
Como queria ser Deus, Todo-Poderoso, o Deus que tudo pode, para aniquilar essa face negra do coração dos homens.
Procuro o Universo em mim,
O Mundo não me basta!

É demasiado pequeno
Para comportar
Os meus eternos desejos…

Uma espécie de megalomania universal
Percorre todo o meu ser,
Prenhe de pensamentos,
De ideias,
Nem sempre claras e distintas…

Movo-me num espaço Aberto,
Sem fronteiras,
Sem limites,
Sem obstáculos…

Sou livre.
O Universo espera-me…

Finalmente,
Celebro o reencontro derradeiro
Com o Uno primordial…

Isabel Rosete

GALILEU GALILEI E O ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA 2009 - Por: Guilherme de Almeida



No âmbito das comemorações do Ano Internacional da Astronomia publica-se um artigo do professor Guilherme de Almeida que sintetiza uma palestra homónima proferida pelo mesmo autor no CCC na noite de 16 de Junho.

Em 2009 comemora-se um acontecimento invulgar: o Ano Internacional da Astronomia 2009 (abreviadamente designado como AIA2009). À primeira vista, parece mais uma das inúmeras comemorações de dias e anos, nacionais ou mundiais, que estamos fartos de saber que existem. Afinal, não é verdade que todos os anos se comemora o ano ou o dia "disto e daquilo", com mais frequência até do que nos pareceria razoável? E não é, também, verdade que todos os anos há congressos e encontros científicos onde os especialistas se reúnem para trocar conhecimento, partilhar descobertas e fazer avançar a ciência e outras áreas do conhecimento? De facto, tudo isso é verdade, mas desta vez temos algo de novo.

O que é o Ano Internacional da Astronomia?O Ano Internacional da Astronomia 2009 é uma celebração global da Astronomia e da sua contribuição para a sociedade e para a cultura. O seu objectivo não pretende ser mais um debate ou encontro entre cientistas, mas antes uma oportunidade de ouro para o grande público tomar contacto com a astronomia, as suas descobertas e avanços espectaculares. Com este evento procurar-se-á estimular o interesse a nível mundial, não só pela astronomia, mas pela ciência em geral, com especial incidência nos jovens. Pretende-se mostrar o prazer e alegria da observação directa e a sensação de cada um observar por si próprio. É exactamente por isso que a frase chave do AIA 2009 é “Descobre o teu Universo”, dando a todos a possibilidade de verem por si próprios o Universo que nos rodeia e do qual, no fim de contas, também fazemos parte.

O AIA2009 é pois uma iniciativa a nível mundial com fins pacíficos. Nunca será excessivo sublinhar que os progressos da Astronomia resultam de colaborações científicas que ultrapassam todo o tipo de fronteiras: geográficas, de género, idade, cultura e raça em pleno acordo com a carta de princípios da ONU. A Astronomia é um exemplo muito representativo de como a ciência pode contribuir para o aprofundamento da colaboração internacional.

Os passos para o AIA2009

Veremos seguidamente os passos dados, desde 2003, para a proclamação deste grande evento mundial. Numa primeira fase do processo, o Governo Italiano propôs à UNESCO que 2009 fosse declarado o Ano Internacional da Astronomia (AIA2009). Veremos porquê...

A UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (a designação inglesa United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization mostra-nos a razão de ser do acrónimo “UNESCO”) recomendou à ONU (Organização das Nações Unidas) uma resolução no sentido de esta declarar 2009 como Ano Internacional da Astronomia. Seguidamente, a UAI (União Astronómica Internacional) aprovou as propostas da UNESCO e do Governo Italiano, propondo à ONU a declaração do ano de 2009 como Ano Internacional da Astronomia. Após estes passos, a ONU proclamou 2009 como o Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009). Daqui em diante passaremos a utilizar sistematicamente a abreviatura "AIA" como sinónimo de "Ano Internacional da Astronomia).

Em Portugal, a celebração do AIA2009 é coordenada pela Sociedade Portuguesa de Astronomia (SPA). A SPA nomeou uma Comissão constituída por especialistas em comunicação e educação em Astronomia, para planear e organizar as actividades relativas ao AIA2009 em Portugal.

Em Outubro de 2008 estavam já envolvidos 123 países neste importante evento internacional. Esse número subiu para 136 em Maio de 2009.

Além dos países que nos habituámos a considerar na frente do progresso mundial, podemos também ver outros tradicionalmente considerados menos evoluídos, mas nem por isso menos empenhados nesta grande celebração.

O AIA 2009 terá pelo menos a duração de um ano e espera-se que deixe sementes de continuidade em todo o mundo. E, a par destas, um renovado interesse pela ciência e pela cooperação internacional, juntamente com um grande estímulo e entusiasmo pelas observações astronómicas.


O que é que há de tão especial no ano 2009?

Esta pergunta faz todo o sentido, mas tem uma resposta simples. Comecemos por recuar 400 anos, a partir de 2009; chegaremos a 1609, como é óbvio. O que aconteceu em 1609?

Nesse ano, um polémico professor de matemática, astronomia e fortificações, leccionando na prestigiada Universidade de Pádua, fez importantes descobertas, tantas e tão valiosas que abalaram o mundo. Chamava-se Galileu Galilei e tinha nascido em 1564, em Pisa, na Itália. Diz-se que ninguém descobriu tanto, em tão pouco tempo, como ele.

A maior parte dos sábios desta época pensava que o Sol, todos os planetas e até mesmo as longínquas estrelas orbitavam em torno da Terra, suposta móvel e no centro do Universo. Era o chamado sistema geocêntrico porque, em grego, geo significa Terra. E isto, apesar de Nicolau Copérnico ter publicado em 1543, vinte e um anos antes de Galileu nascer, um livro que fundamentava a hipótese de os astros orbitarem em torno do Sol e não da Terra (sistema heliocêntrico). Porém, não havia provas claras que apoiassem o modelo heliocêntrico. Galileu iria encontrar algumas.


O que fez Galileu?

Corria a Primavera de 1609 quando Galileu Galilei ouviu dizer que um holandês tinha inventado um instrumento que permitia ver os objectos afastados como se eles estivessem próximos. Nunca viu o invento holandês. Tudo o que chegou ao seu conhecimento foi que esse instrumento maravilhoso era constituído por um tubo com uma lente em cada extremidade.

Aplicando-se intensamente na sua oficina-laboratório, Galileu constrói em pouco tempo um instrumento com a mesma função, capaz de aproximar os objectos seis vezes (6x), já superior ao invento holandês. Esforçando-se mais ainda, constrói telescópios cada vez melhores, capazes de aproximar os objectos 8x. Em Agosto apresenta este último telescópio aos Doges de Veneza e a outros notáveis, mostrando navios ao largo, invisíveis a olho nu e a torre de uma igreja muito distante. Quase todos ficam maravilhados, embora alguns não acreditem no que vêem. Galileu continua a aperfeiçoar os telescópios e chega a produzir instrumentos capazes de aproximar 20x. Mais tarde consegue 32x.

Em Novembro de 1609, Galileu começa a utilizar os seus telescópios para observar os astros. Descobre que a Lua tem crateras e montanhas, o que contradiz os seguidores de Aristóteles que imaginavam a Lua cristalina e perfeita. Descobre também que ela não tem luz própria (o que na época suscitava dúvidas). O telescópio revela-lhe ainda muitos milhares de estrelas invisíveis a olho nu e que ninguém suspeitava que existiam. A Via Láctea dissolve-se numa multidão de estrelas e deixa de ser a hipotética emanação celeste, e sublunar, que os antigos supunham.

Assestando o telescópio sobre o planeta Júpiter, Galileu concluiu, após algumas observações sucessivas, que quatro pequenas luas giram em volta deste planeta, tal como a nossa Lua gira em volta da Terra. Afinal, pensou Galileu, pode haver outros centros de movimento, sem ser a Terra. Essa descoberta revelou-lhe que o Sistema do Mundo talvez não fosse geocêntrico (naquele tempo chamava-se "Sistema do Mundo" ao que hoje chamamos Universo"). Entusiasmado, publicou em Março de 1610 um livro imortal, chamado "Mensageiro Celeste" (o título original era Sidereus Nuncius). Nele descreve as maravilhas que observou nos céus, mas com isso começa também a criar inimigos.

Continuando as suas observações telescópicas, descobre em Julho de 1610 que Saturno tem "saliências", uma de cada lado, dando-lhe a ideia de um "planeta com orelhas" (não conseguiu ver os anéis que hoje conhecemos, porque o seu telescópio não era suficientemente poderoso para isso). E no final desse ano, descobre que o planeta Vénus passa por um ciclo completo de fases, como a Lua, o que só é possível se Vénus e a Terra orbitarem o Sol, em conformidade com o modelo heliocêntrico. E em contradição com o modelo geocêntrico...

Em 1612 observa o Sol, pelo método da projecção, um método seguro idealizado pelo seu amigo Benedetto Castelli. Galileu sabia que é muito perigoso olhar para o Sol através de telescópios. Outros observadores observaram o Sol e cometeram esse erro, causando danos irremediáveis aos seus olhos... Mas, voltando a Galileu, ele descobriu que o Sol apresenta manchas à sua superfície, e que essas manchas dão, pouco a pouco, a volta ao Sol. Isso comprova que o Sol também tem movimento de rotação, que (segundo Galileu) se completa em "pouco menos de um mês".

É claro que todas estas descobertas desagradaram à Igreja Católica, grande defensora do geocentrismo. A comprovação de que a superfície lunar é acidentada, a revelação de imensas estrelas que não se viam a olho nu, as luas de Júpiter, as fases de Vénus e até as manchas solares e a rotação do Sol, contrariando as suposições da época, inspiraram inimizades da maior parte do clero. A Igreja via nessas descobertas um argumento e uma ameaça contra o geocentrismo e contra alguns dos seus fundamentos teológicos. E, para mais, a leitura literal da Bíblia, sem interpretação adequada, parecia impor a imobilidade da Terra e o movimento do Sol à nossa volta.


As partes polémicas das Sagradas Escrituras

Vejamos seguidamente as partes da Bíblia em que os religiosos mais conservadores se baseavam para dizer que as Sagradas Escrituras impõem a imobilidade da Terra e sugerem o movimento do Sol em volta do nosso planeta. Apresentam-se duas traduções diferentes.

Salmo 104:5
“Lançou os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo algum.”
(Cf. Trad. João Ferreira de Almeida (1628-1691).
“Ele fundou a terra sobre os seus lugares estabelecidos; não será abalada, por tempo indefinido ou para todo o sempre”.
(Cf. Trad. New World Bible Translation Committee).

Eclesiastes 1:4 e 1:5
(1:4) “Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.
(1:5) “E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar de onde nasceu.”
(Cf. Trad. João Ferreira de Almeida (1628-1691).
(1:4) “Uma geração vai e outra geração vem; mas a terra permanece por tempo indefinido.
(1:5) “E também o sol raiou e o sol se põe, e vem ofegante ao seu lugar onde vai raiar” .
(Cf. Trad. New World Bible Translation Committee).

Josué 10:13
“(…) O sol pois se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro”
(Cf. Trad. João Ferreira de Almeida (1628-1691).
“(…) o sol ficou parado no meio dos céus e não teve pressa em pôr-se por cerca de um dia inteiro”.
(Cf. Trad. New World Bible Translation Committee).

Na leitura da Bíblia que as autoridades religiosas então faziam, as frases anteriormente referidas pareciam "garantir" a imobilidade da Terra e "certificar" o movimento do Sol em torno do nosso planeta, interpretações que Galileu Galilei contestava. A essas afirmações Galileu contrapõe, dizendo que o que observa no céu, com o seu telescópio, é também obra de Deus. E que tal obra tanto pode ser vista na Bíblia (se devidamente interpretada) como na observação dos próprios fenómenos celestes. Afirma que a Bíblia não se engana e está sempre correcta, mas deve ser interpretada adequadamente, pois Deus não pode contradizer-se dando a ver nos céus (Sua obra) coisas diferentes das que se podem ler nas Sagradas Escrituras. Vejamos algumas das suas justificações a este propósito.

“As Escrituras não se enganam, mas sim os seus intérpretes e comentadores, de várias maneiras (…)”
“A Bíblia ensina-nos como se vai para o céu, não como vai o céu” (citação usada por Galileu).
“Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sensibilidade, razão e intelecto pretenda que nos esqueçamos os utilizar.”
“Uma referência, por exemplo, à mão de Deus não significa um apêndice de cinco dedos, mas antes a Sua presença nas vidas humanas”.

Convém referir que Galileu foi sempre um homem profundamente religioso, de fé sólida e inabalável, pelo que nunca se lhe pôs a questão da dúvida religiosa. E, convém referir que as suas duas filhas foram freiras, no Convento de São Mateus, perto de Florença, regido pela ordem franciscana das Clarissas, a que exigia uma conduta quotidiana mais dura e austera. Também teve um filho, Vincenzo Galilei.


Início dos problemas com a Igreja Católica

Todos os problemas referidos levaram a que, em 1616, Galileu fosse chamado a Roma, por ordem do Papa Paulo V, para ser advertido de que só poderia considerar o heliocentrismo (e a teoria de Copérnico) como mera hipótese académica (uma forma de facilitar cálculos), mas nunca como um facto. Tal advertência foi-lhe dada pelo cardeal Belarmino, que também o avisou de que o livro de Copérnico fora proibido. É de notar coragem e perseverança de Galileu, pois nesses tempos desafiar a Igreja era muito perigoso: em 1600, o monge Giordano Bruno fora queimado vivo, amarrado a um poste, por afirmar que o Universo podia ser infinito e que haveria muitos planetas habitados, além da própria Terra. O inquisidor foi precisamente... Roberto Belarmino, mais tarde beatificado (1923) e canonizado (1930), passando a ser Santo e conhecido como São Roberto Belarmino.


A vida continua

Galileu contém-se por algum tempo, mas por fim (c.1624) começa a escrever uma das suas maiores obras: os Diálogos sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, onde compara os sistemas geocêntrico (de Ptolomeu) e heliocêntrico (de Copérnico). O Papa desse tempo, Urbano VIII, autoriza-o a escrever esse livro desde que fale dos dois sistemas sem tomar partido pelo sistema heliocêntrico, suposto como mera hipótese. O livro é publicado em 1632, mas o Papa, anteriormente amigo e admirador do sábio italiano (quando era o cardeal Maffeo Barberini), sente-se ridicularizado numa personagem do livro, defensora do geocentrismo (os inimigos de Galileu tiveram a habilidade de convencê-lo nesse sentido). A fúria do Papa é imensa e o livro é proibido: em 1633 Galileu é chamado a Roma, acorrentado se se recusar, apesar de já velho (69 anos) e doente. Ao fim de muitos e extensos interrogatórios e depois de lhe terem mostrado os instrumentos de tortura da Inquisição (o temível Santo Ofício), é forçado a negar as suas convicções. Não é queimado vivo, devido ao apreço do Papa e à influência de muitos amigos poderosos que tinha. Em vez disso é condenado a prisão perpétua, mais tarde comutada em prisão na sua casa pessoal de Arcetri, nos arredores de Florença. Sempre vigiado pelos oficiais da Inquisição.


Galileu regressa ao trabalho

Apesar de proibido de escrever, Galileu retoma a escrita e as suas investigações. Em 1636 tem pronto um novo livro, denominado Discurso sobre Duas Novas Ciências, onde não toca no heliocentrismo mas lança os fundamentos da resistência de materiais, precursora da engenharia mecânica e os alicerces da dinâmica, uma área da Física que mais tarde servirá de inspiração ao grande Isaac Newton que (apesar de não ser pessoa dada à modéstia) afirma ter visto mais longe do que outros por ter subido aos ombros de gigantes (referindo-se a Galileu e a Kepler). Devido às proibições a que o autor estava sujeito, o original desta obra teve de ser levado secretamente de Itália para a Holanda, onde foi impresso. Entretanto, devido a infecções oculares, Galileu ficou totalmente cego em 1637. Recebeu o livro já impresso em 1638 e foi na escuridão total que tomou nas mãos a sua obra derradeira. Ainda teve tempo para idealizar a aplicação dos pêndulos aos relógios, ideia concretizada mais tarde por Huygens (em 1656). Por fim, em 8 de Janeiro de 1642, “entregou a alma ao Criador com firmeza filosófica e cristã”, como descreveu Vincenzo Viviani, o seu último discípulo e primeiro biógrafo.


Intenções e reconhecimento

Com o Ano Internacional da Astronomia 2009 (AIA2009) celebram-se as primeiras observações astronómicas feitas por Galileu Galilei em 1609, usando o telescópio – uma invenção que marcou o início de 400 anos de extraordinárias descobertas astronómicas.

Este evento desencadeou uma revolução científica que alterou profundamente a nossa visão do Universo.


Objectivos do AIA2009

São objectivos do AIA2009:
- Promover a cultura científica.
- Promover o acesso a novo conhecimento e experiências.
- Desenvolver as comunidades astronómicas em países em vias de desenvolvimento.
- Apoiar e desenvolver a educação formal e não formal das ciências.
- Transmitir uma imagem moderna da ciência.
- Apoiar e desenvolver projectos de colaboração.
- Aumentar a igualdade de géneros e minorias nas carreiras científicas e tecnológicas.
- Facilitar a preservação e protecção dos céus escuros [um património cultural da humanidade], em “oásis urbanos”, parques nacionais e locais de observação.


Princípios, directrizes e actividades

Para dinamizar o AIA2009 prevê-se levar a cabo, também em Portugal, múltiplos eventos de divulgação e sensibilização, actividades, acções formativas e lúdicas. Entre estas contam-se: noites de astronomia, palestras, actividades em escolas e exposições. Essas acções promoverão a astronomia portuguesa, proporcionando redes de contactos e interligações entre instituições astronómicas. Haverá sessões especiais em planetários e ainda uma actividade denominada "E agora eu sou Galileu" onde os jovens e crianças são incentivados a observar, vendo o que Galileu viu e redescobrindo algumas das suas descobertas.

Todo o processo envolverá intensamente a sociedade com a astronomia, promovendo uma interacção forte entre astrónomos amadores e profissionais, formando parcerias. Serão colmatadas lacunas bibliográficas e pretende-se produzir um selo de correio comemorativo do AIA2009. Espera-se ainda poder disponibilizar ao público um pequeno "Kit do Astrónomo", através de um possível patrocínio ou colaboração com um jornal de grande tiragem.


Divulgação do AIA2009

Páginas Internet para divulgação do AIA 2009 e dos seus objectivos:
http://www.astronomia2009.org/ (página nacional portuguesa)
http://www.astronomy2009.org/ (página internacional)
www.sp-astronomia.pt/ (página da SPA)

Isabel Rosete - Pesquisa e divulgação

EM HOMENAGEM A GALILEU



SOBRE «A FILHA DE GALILEU», DE DAVA SOBEL
Por: Isabel Rosete

A propósito da celebração das geniais descobertas de Galileu Galilei, sugiro um livro verdadeiramente extraordinário, «A filha de Galileu», de Dava Sovel (uma publicação do Círculo de Leitores), pelo qual nos é permitido conhecer a vida e a obra deste homem genial do século XVII que mudou, para sempre, a história da Ciência e a nossa visão do mundo.
Este livro concede, de uma forma dramática, uma nova cor à personalidade desta “figura mítica”, cujo conflito com a doutrina católica, há cerca de 400 anos celebrado, continua a definir a cisão hodierna entre ciência/"técnica" e religião.
Movendo-se por entre a vida pública de Galileu e o mundo recluso de Soror Maria Celeste (uma das filhas ilegítimas de Galileu, sua confessora e anjo da guarda), Dava Sobel aclara toda esta problemática epistemológica durante um período de charneira em que a percepção que a humanidade tinha do seu lugar no Cosmos começava a ser fortemente abalada por novas ideias laicas, cada vez mais afastadas dos dogmas religiosos impeditivos do avanço e do desenvolvimento do conhecimento do mundo natural, da leitura directa do "livro da natureza", como amiúde referia Galileu.
Nesta etapa tão controversa quanto criativa do pensamento ocidental, para sempre lembrada pela memória de todos os povos, enquanto a peste bubónica disseminava a sua terrível devastação e a Guerra dos Trinta Anos desequilibrava os desígnios mais secretos da Europa, um homem, Galileu Galilei, tentava reconciliar o Céu que, como fervoroso católico idolatrava, com os céus que fazia ver, nem sempre de um modo “claramente visto”, com o seu telescópio, quiçá um instrumento do Demo.
Como informa Sobel, «em 1609, quando Maria Celeste era ainda criança, em Pádua, Galileu montara um telescópio no jardim atrás da casa e virara-o para o céu. Estrelas até então nunca vistas saltaram das trevas e realçaram constelações familiares; a nublada Via Láctea transformou-se numa faixa de estrelas densamente amontoadas; montanhas e vales salpicavam a lendária perfeição da Lua; e um séquito de quatro corpos secundários viajava regularmente em volta de Júpiter como um sistema planetário em miniatura.»(p. 15).



Reflexões sobre o Tao do Caminho: Heidegger e o Pensamento Oriental

Por: André Stangl

Introdução

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) percorreu um longo caminho até que sua filosofia amadurecesse e desse frutos. Boa parte da Filosofia dita 'Pós-Moderna', de Derrida, Foucault, Rorty a Latour, cada um a seu modo, é parte deste fruto. Mas não é o caroço. É interessante observar que após a intensificação do processo de mundialização, a Filosofia não ficou imune, seja por sua parente próxima a Antropologia, que lhe trouxe novos sabores, seja pela sua irmã a Arte, que lhe impregna de diferentes cores. Heidegger trouxe em sua filosofia um renascimento, a redescoberta do mesmo, passado e presente se re-encontram, Oriente e Ocidente se reconhecem. Claro que esta mútua compreensão passa também ela por um amadurecimento e, mesmo assim, ainda estamos longe de uma indiferenciação. Talvez esta só seja possível com o fim de uma perspectiva unilateral, "a apatridade que assim deve ser pensada reside no abandono ontológico do ente" (HEIDEGGER, Sobre o "Humanismo", 1973:360). Portanto, deste processo só conseguiremos ter a visão dos que permanecem, sob a condição de 'ocidentais', ou seja, não nos adianta a tentativa de substituição de um pólo por outro, de uma pátria por outra. Mas enquanto pertencente a uma comunidade buscar no diálogo o mútuo reconhecimento da mesma essência entre identidades diferentes.

"Nós praticamente ainda não começamos a pensar as misteriosas relações com o Oriente, que assomaram à palavra na poesia de Hölderlin" (Ibid., 1973:359-60).

Heidegger foi ao limite, sua filosofia está sobre a linha divisória entre Ocidente e Oriente, talvez sua mensagem possa contribuir para reunir esse todo, fragmentado e desunido, que é a humanidade de hoje. Uma possível analogia para a palavra chinesa Tao é com a idéia de Caminho, assim como Logos, Tao é intraduzível, sendo por isso chamada de palavra-guia; Heidegger parece falar do Tao quando fala do Caminho do Campo. É esta relação, que aqui nos propomos meditar, sem esquecer da 'identidade' que é própria a cada um, buscaremos o elo que se oculta por trás desta diferenciação. Para Heidegger o que chamamos Filosofia no Ocidente é algo muito distinto e próprio do Pensamento ocidental. No Oriente não existiu Filosofia, mas existiu Pensamento. O Oriente é uma criação do homem ocidental, com fins imperialistas. Vasto é o que chamamos de Pensamento Oriental, por isso nos concentraremos na raiz comum do pensamento originário do Zen que remete ao pensamento originário do Tao, um é chinês, o outro é japonês. Segundo consta, no Japão iletrado entrou o ideograma chinês que lá foi transformado e frutificou. Assim, na raiz comum do Zen e do Tao está o I Ching, livro oracular que serviu de base ao florescimento do pensamento chinês e da escrita.


A Identidade do ser

No Ocidente a identidade sempre esteve associada ao ente, não se pensa em entidade sem identidade, o ser chegou a ser pensado como um traço da própria identidade. Desde a Antiguidade que se matura a relação do mesmo consigo mesmo, mas a mediação implícita ao Princípio da Identidade só retomou o dinamismo, mais tarde, com o Idealismo especulativo que inverte esta relação, pensando a identidade como um traço do ser. A mesmidade de pensar e ser que Heidegger desenvolveu em sua conferência o "O Princípio da Identidade" (1957), está no sentido do mesmo na mediação da identidade. O Princípio da Identidade fala do Sendo, então enquanto princípio do pensamento, já que pensar e ser são o mesmo, a identidade não pode ser limitada a uma representação abstrata tipo A=A. A Identidade é ontológica, é unidade e totalidade como o Sendo.

"A questão do sentido deste mesmo é a questão da essência da identidade. A doutrina metafísica apresenta a identidade como um traço fundamental do ser. Mas agora se mostra: ser com o pensar faz parte de uma identidade, cuja essência brota daquele comum-pertencer que designamos Ereignis. A essência da identidade é uma propriedade do Ereignis" (Idem, O Princípio da Identidade, 1989:146).

O trabalho inicial de Heidegger era uma polêmica com Descartes e Kant, tentando reverter a idéia que os dois faziam do que é o ser e as confusões criadas pelas imagens cartesianas e kantianas. O ser é um ente, e isto se dá a partir da compreensão do próprio ser como Sendo. Esta compreensão vem da presença do ser-no-mundo; é a partir desse ser-no-mundo que se abrem as possibilidades de ser no tempo e é mediante essa cotidianidade que o ser se re-vela.

O Sendo é a própria essência do ser, enquanto que o ser-no-mundo é a sua contingência, a identidade está na singularidade do próprio ser. O ser possuído pelo Sendo é capaz de compreender os outros entes como uma totalidade, porém, é através dos outros entes que o ser se vela enquanto ente. É a própria existência que vela o ser, o mundo é uma constituição necessária, mas não determina o ser. É na mundaneidade que o ser enquanto identidade confronta-se com a alteridade de outro ser. Desta divergência converge a unidade do Sendo que é o ser do ente. Todo ser é, assim, sempre alteridade, mesmo que seja na solidão ou no isolamento, pois a pre-sença é sempre compartilhada e estar no mundo é viver em con-vivência.

A Linguagem do ser

Para Heidegger, na linguagem de-mora o ser. O Sendo só pode se re-velar através da linguagem, se o pensamos ele ‘é’, pois o pensar aproxima o ser da Clareira (onde sua pre-sença contrapõe-se ao ente). A imagem de uma floresta assemelha-se à existência humana, vários são os caminhos possíveis para se chegar a uma Clareira.

Os gregos falavam do ser com o ser e para o ser, pelo menos até racionalizarem o falar, associando a alétheia à retidão argumentativa da lógica; a alétheia originalmente recolhia a verdade transcendente do Sendo. A lógica prende a verdade ao ente e fala do ente como se do Sendo falasse.

A contemporaneidade enxerga a tudo com os olhos da técnica, o efeito conta mais que o sentido, há uma primazia da razão sobre o ser, que aliena o homem de seu sentido, "esta relação (o pertencer originário da palavra ao ser) permanece oculta sob o domínio da subjetividade que se apresenta como opinião pública" (Idem, Sobre o "Humanismo", 1973:349). A sociedade domina o significado possível de um termo e conduz seu uso a um fim específico, destruindo, assim, a essencialidade ontológica da língua. Os gregos nem ‘filosofia’ usavam para designar o pensar, a dimensão do agir ultrapassa as concepções de um tempo sobre si mesmo, as palavras quando perdem seu poder de ser, tornam-se técnicas, correspondem ao instituído (dicionários, gramáticas), não trazem mais ao homem a alteridade instauradora do real.

A consciência advém do fato da língua permitir identificar o ser como ente 'ec-sistente' (ser revelado) e dependente da linguagem. Mas o que entendemos como linguagem não nos leva ao ser, no máximo indica-nos o Caminho da Clareira. "A libertação da linguagem dos grilhões da Gramática e a abertura de um espaço essencial mais originário está reservado como tarefa para o pensar e poetizar"(Ibid., 1973:347), nossa relação com a linguagem deve ultra-subjetivar-se (ir além do sujeito), nada deve comandar a linguagem, pois na Clareira impera o inefável, ante o qual nossa língua e nossa identidade nada são.

Da relação entre o poetar e o pensar, ressurge a atenção com a linguagem que hospeda o Sendo. Quando Parmênides, em seu poema nos deixou a mesmidade do pensar e ser, o elo entre poetar e pensar ainda não havia sido esquecido. O pensamento ainda correspondia ao Sendo, a linguagem que velava re-velava e o mistério, ainda, era aceito no apelo da poesia e do pensamento.

O Tao do ser

Lao Tse (570 a.C.), que segundo reza a tradição, foi um dos iniciadores o Taoismo, nos legou o "Tao Te King" quando aos 80 anos tentava sair da China e ao ser reconhecido pela guarda da fronteira foi intimado a escrever, pois até então se recusara a escrever sobre o Tao. Suas reflexões sobre o Tao, assim como o pensamento de Heidegger, inspiram ao ser o Caminho do re-encontro com o mesmo. O sentido do Tao é a escuta do apelo do ser, o Tao é tão inatingível quanto o Logos e como ele impera.

"O Tao é como um sonho cintilante. Sumindo, piscando, ele personifica formas e coisas. Parece recuar para longe e turvar-se. Contudo, há em seu âmago uma essência" (Tao Te King, 21).

Para o pensamento de Heidegger sobre o Sendo foi fundamental o contato com o pensamento de Heráclito sobre o Logos, que é "o recolhimento que torna presente e manifesto tudo que é em sua totalidade enquanto ente. Logos é o nome que Heráclito dá ao Sendo" (HEIDEGGER, Hegel e os Gregos, 1973:408). Tao é um dos nomes que nomeia o Sendo no Oriente. O Tao é um Caminho que nos leva de volta sem sair, um espanto demorado que se renova, um movimento que precisa do crescimento e não do deslocamento e um crescimento que precisa do mesmo e não do novo.

Antes de alguém estudar o Zen, as montanhas são para ele montanhas e as águas são águas. Quando, porém, conseguir uma percepção da verdade do Zen, mediante as instruções ministradas por um bom mestre, as montanhas não são para ele mais montanhas, nem as águas são águas. Mais tarde, quando tiver alcançado o lugar de repouso (isto é quando tiver atingido o satori), as montanhas serão novamente montanhas para ele e as águas serão novamente águas. (SUZIKI, 1980:65).

Nesta paisagem Zen citada por Suzuki, é possível re-encontrar a proximidade do mesmo de que nos fala Heidegger em sua conferência sobre "A Coisa" (1950). Na extrema dificuldade do simples, a distância do estar aqui que não é mais que o velamento do ser, subjetivado ou objetivado, que deixa a unidade e parte numa jornada sem fim. Oscilando, indo e vindo, no pensamento dicotômico que representa a diferença em opostos e esquece da mutiplicidade da unidade e da unidade da multiplicidade. A idéia que já tomamos da 'coisa' antes de pensar nela, mesmo antes de vê-la, o pressuposto de identificá-la como 'coisa', nos impede de aceitá-la enquanto 'coisa'. Trazemos a 'coisa', antes da 'coisa', por isso está a 'coisa' sem ser. Fazemos com que o ser sem o Sendo se torne 'coisa' sem coisidade.

"O passo de retorno de um pensar ao outro, não é, porém, uma simples mudança de posição. Nunca poderá ser algo semelhante, porque todas as posições, juntamente com os modos de suas mudanças, permanecem jungidas no âmbito do pensar que representa" (HEIDEGGER, A Coisa, s/d:173-4).

A representação ocupa o lugar da 'coisa', quando deveria nos trazer a coisidade da 'coisa'. No grego antigo, antes da escrita, o símbolo personificava a própria 'coisa', não importando a distância física da 'coisa' mencionada. Nós esquecemos da pre-sença que está por trás do símbolo, tratamos a linguagem como se estivesse morta, falamos da 'coisa' como se ela não estivesse viva. A linguagem escrita parece ter contribuído neste sentido, tornando-se ela própria um ente.

Quando fala do Caminho do Campo, Heidegger parece falar do Logos. O caminhar e o pensar são semelhantes, pois do que pensamos nos afastamos quando queremos nos aproximar, assim como num Caminho o fim não se limita ao destino, mas ao trilhar: "Caminho: para cima, para baixo, um e o mesmo" (HERÁCLITO, §60). Cada passo ou pensamento retorna, se se tenta fixá-los, a mesmidade do ser e o Sendo. "Do Logos com que sempre lidam se afastam, e por isso as coisas que encontram lhes parecem estranhas" (Idem, §72). Nossa noção de tempo se confunde com a de espaço, o percurso do caminho não pode ser medido ou calculado; a própria representação que damos ao espaço se curva na totalidade de um círculo, só o espaço enquanto ente tem fim: "Princípio e fim se reúnem na circunferência do círculo" (Idem, §103). A reversidade do Caminho "assemelha-se ao tensionar do arco. O que está alto é trazido para baixo, e o baixo, puxado para cima. O comprimento é diminuído, e a largura, expandida" (Tao Te King, 77). Chega a ser possível imaginar um diálogo entre Lao Tse e Heráclito, que por sinal eram contemporâneos, mas o que esta proximidade nos diz?

"Pensando, de quando em vez, com os mesmos textos ou, em tentativas próprias, o pensamento, sempre de novo, anda na via que o Caminho do Campo traça pela campina.(...) O Caminho acolhe tudo que vigora à sua volta e restitui o seu a todos que o percorrem. Os mesmos campos e as mesmas encostas dos prados escoltam o Caminho do Campo em cada estação do ano, mas com uma proximidade sempre nova." (HEIDEGGER, O Caminho do Campo, s/d:46-7)

No pensar está o Logos e no ser o caminhar, quando por um Caminho passamos seguidas vezes, se estivermos atentos notamos seu incessante renovar. Assim se dá também com o pensar que não se esgota numa conclusão. O ser está no caminhar, pois a proximidade está no mesmo. Caminhar e ser são o mesmo pensar.
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Bibliografia:

HEIDEGGER, M. Sobre o "Humanismo": carta a Jean Beaufret, Paris. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
____________ . Hegel e os gregos. In: op. cit.
____________ . O Princípio da Identidade. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
___ . A Coisa. s/d. fotocopia
____________. O Caminho do Campo. Petrópolis: Vozes, s/d. fotocopia.
HERÁCLITO. 'Fragmentos'. In: Os Pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides e Heráclito. Petrópolis: Vozes, 1991.
SUZUKI, D. T. Introdução ao Zen-budismo. In: JUNG, C.G. Psicologia e Religião Oriental. Petrópolis, Vozes, 1980. p. 65
TSE, L. Tao Te King. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

Isabel Rosete - Pesquisa e divulgação

O DESAJUSTE ENTRE A BELEZA E A IGNORÂNCIA


O caso Maitê Proença: Só para reflectir!

A atitude dos portugueses não deve, de modo algum, ser similar à da “consagrada” actriz, em cujo curriculum, agora alterado na página da Wikipédia, pode ler-se: “Maitê Proença Gallo (n. São Paulo, 28 Janeiro 1959) é uma estrela porno brasileira, também conhecida pelos seus comentários ignorantes que envergonham o povo brasileiro” (temos mesmo de sublinhar!). Obviamente que não podemos, ou melhor, não devemos, descer ao nível de tão ignóbil criatura.
Um pedido de desculpas público e aberto tão publico e tão aberto quanto o seu lamentável vídeo, pautado pela ignorância histórica e pela total ausência de Ética Deve ser Imposto. Isso Mesmo! Imposto!
Temos ou não sentido de Pátria? Temos ou não consciência do que somos enquanto Portugueses?
O problema crucial, penso, não é propriamente a degenerada “cuspidela”, mas o que, literalmente, ela significa: Deboche, Sacanagem, Denegrimento… do nosso País sobre o qual, um dia, ela afirmou: “Amei!”
No seu esfarrapado desmentido – se é que de um desmentido se trata, de facto , Maitê Proença afirma, vergonhosamente, mais uma vez, que tal vídeo, completamente absurdo e ininteligente (só para não dizer "BURRO"), não passou de uma "brincadeira caseira". Coitada!!!!
E que mais podemos observar em tão famosa descrição de Portugal e dos Portugueses, fundada no terrível princípio da generalização? Um conjunto de mulheres que têm a capacidade ridiculamente audaz de se rirem, com Maitê, da sua própria estupidez, da sua falta de cultura, conhecimento, informação… da sua ignorância "claramente vista".
Reparem que foi Salazar, em pleno século XX, afirma Maitê peremptoriamente, quem mandou construir quer o Monumento aos Descobertas ou Padrão dos Descobrimentos, quer a Torre de Belém . Teremos de rever todos os documentos históricos oficiais depositados na Torre do Tombo, já amplamente estudados pelos mais reconhecidos historiadores nacionais e estrangeiros?
A bela e emblemática Vila de Sintra, consagrada por Fernando Pessoa e Eça de Queiroz, foi sinalizada, tão-só, por um qualquer número 3, como se nada mais houvesse de realmente importante para assinalar. Será que Maitê sofre de miopia? Como pôde deixar de ter visto o Palácio da Pena , o Palácio Nacional de Sintra, o Castelo dos Mouros ou o Convento dos Capuchos?
O Rio Tejo, já não é rio. Mas, Mar. Não saber que Lisboa é banhada pelo Rio Tejo de onde partiram as caravelas das descobertas que ao Brasil também foram encontram aberrações desta natureza é, naturalmente, um erro crasso, imperdoável.
Ficou, ainda, registado, por esta nobre personalidade das Artes e da Cultura, que Portugal e os Portugueses “são esquisitos”, porque não sabem informática. Necessitarão os nossos engenheiros e técnicos de informática, licenciados pelas nossas Universidades, de refazerem os seus cursos na “Universidade” que, tão bem, formou Maitê?
E, por último, pergunto: porque será que a actriz tentou falar com a pronúncia da nossa Língua? Será que urge “traduzir” o português do Brasil para o português de Portugal, porque, de facto, não temos capacidade de entender a sua Língua e linguagem?
Enfim…!
Repito, reitero, quantas vezes forem necessárias: Coitada!

Isabel Rosete
14/10/2009

Breves constatações sobre um Portugal de demissionários (I):

1. Vivemos, hoje, num Pais de demissionários, de gentes sem rosto e sem voz própria, convicta ou determinada;
2. Vivemos, hoje, no silêncio mórbido dos que não sabem como salvar este País em marés de desalento, em estado de naufrágio total. Completamente alagados, na sua ausência de ideais, os mandantes ou (des)mandantes nacionais talvez seja este o termo mais adequado navegam, sem norte, nos mares da dissimulação, da mentira, e do faz-de-conta, sem escrúpulos ou peso nas suas consciências inconscientes;
3. Vivemos, hoje, banhados por um regime político incógnito e, naturalmente, indefinível e impassível de qualquer espécie de adjectivação apropriada, porque: vagueamos na política da lamentável conveniência, do taxismo sem disfarce, da ausência da identidade nacional, do parecer-ser estatístico que pretende camuflar – pensam eles! – as misérias nacionais, apenas invisíveis perante a quadradice dos espíritos míopes.

Isabel Rosete

PARA ALÉM DO OCIDENTE, OS ENSINAMENTOS DA FILOSOFIA ORIENTAL



ZEN SEIZA E A TRANQÜILIDADE

A maneira dos japoneses se sentarem sobre os calcanhares, com uma mão sobre a outra, conhecida como nipon-za (postura japonesa), é um tipo de seiza. Diz-se que só os japoneses sentam em tal posição. Mas tal postura é praticada por qualquer pessoa que se dedique à cerimônia do chá, ao teatro nô ou ao bailado japonês. Muitas vezes, em trens e ônibus, deparamos com japoneses sentados nessa posição. Houve época em que o nipon-za foi quase abandonado no Japão, mas, quiçá pela influência do zen-budismo, vem sendo novamente adotado em todo o mundo.

Na postura, ou seiza, conhecida por nipon-za, as pessoas se sentam sobre os calcanhares, de pernas dobradas. Os homens deixam os joelhos abertos de modo que entre eles possam passar dois punhos fechados e meio; as mulheres, dois punhos. Quando sentamos por pouco tempo, colocamos o peito do pé direito para baixo e apoiamos o peito do pé esquerdo sobre a sola do pé direito. Quando sentamos por longo tempo, o dedão do pé direito é colocado por baixo do pé esquerdo e de vez em quando invertem-se as posições. As mãos descansam sobre o baixo-ventre, a mão direita por baixo. Entretanto, o ponto crucial está na parte superior do corpo: o tronco deve ficar bem ereto e todos os músculos relaxados, exceto os do baixo ventre, que precisam estar bem tensionados.

Sei significa tranqüilidade. É nossa intenção expor alguns aspectos deste conceito de tranqüilidade. O ideograma sei tem um grande número de significados, dentre os quais destacamos os mais amplos:

1) repouso, antônimo de dô (movimento); diz-se de algo que está firme e imóvel.

2) estar calado, antônimo de ken (vozerio).

3) calmo, tranqüilo.

4) correto, polido.

5) descansar.

6) tornar-se claro, transparente.

7) abrandar-se, amolecer.

8) valoroso.

Falaremos de seiza e seishi. Seiza é sentar-se numa atitude calma, tranqüilidade, repouso, silêncio e transparência, ao passo que seishi é um estado de espírito calmo, transparente e correto. Seiza é, então, a expressão de quietude do corpo, ao passo que seishi exprime a tranqüilidade do espírito. Temos assim expressada a quietude dos dois aspectos que fazem o ser humano: corpo e espírito. As duas palavras expressam a quietude do ser humano.

Como os japoneses passaram a usar tal sistema de seiza? Foi por influência do zen. Entre as mais primorosas manifestações da cultura japonesa, que chamam a atenção das pessoas de todo o mundo, vemos o teatro nô, o poema haikai, o arranjo floral ikebana e a cerimônia do chá. Todas essas artes datam de um período que se estende dos fins do século XIV até o século XVI (Período Muromachi), no qual o zen foi totalmente incorporado à vida prática. Nos tempos antigos, os japoneses não viviam sobre esteiras; sentavam em cadeiras ou de pernas cruzadas sobre o chão de terra batida. Mas gradual progresso foi transformando essas posturas, principalmente depois da classe guerreira dos samurais tomar o poder político. Talvez porque o sentimento de impermanência das coisas, originado na vida do guerreiro sempre exposto a muitos perigos, levasse os samurais a procurar uma resposta para o problema de como viver. Assim, eles praticaram o zen e logo formularam o Bushido, código de honra samurai. Essa atitude dos guerreiros, de dedicação ao zen, foi se popularizando, e depois dos agitados anos de guerra civil do século XIV, na Era Muromachi, generalizou-se e o uso de cadeiras foi completamente substituído pelo seiza. Aí então brotaram e cresceram os elementos culturais acima mencionados. Podemos dizer que a cultura japonesa é a "cultura do seiza".

Um elemento importante no processo de substituição das cadeiras por essa postura foi o código de etiqueta dos samurais. Organizado por Sadamung Ogasawara, sob a orientação do monge chinês naturalizado japonês Socho, sofreu pequenas alterações na época do shogun Yoshimitsu Ashikaga e tornou-se, enfim, o código oficial da classe guerreira, com o nome de Sangi-ito, conhecido vulgarmente como estilo Ogasawara de etiqueta.

Entre as várias formas de praticar a meditação zen existe a bosatsu-za, ou postura do bodisatva, que consiste em sentar sobre os calcanhares. Essa postura se transformou no nipon-za provavelmente pelo fato do código de honra dos samurais ser calcado nas virtudes do bodisatva, aquele que no seio da comunidade humana se esforça na prática e na difusão dos ensinamentos de Buda. Para manter uma posição na qual se está sempre pronto para instantaneamente atender ao apelo de outrem é preciso a maior calma, até para discernir os ruídos exteriores. Senta-se sobre os calcanhares, sem cruzar as pernas, para conseguir esses dois objetivos. Os guerreiros, que como um bodisatva precisavam responder imediatamente a apelos diversos, manifestaram um grande interesse por essa postura. O uso das esteiras tatami tornou-se comum no início do século XVII. Assim que as vantagens do seiza foram reconhecidas pelos guerreiros, sua prática passou a ser obrigatória no treinamento das artes militares. Os elementos da cultura japonesa são qualificados com a palavra "caminho" — caminho das artes militares, caminho das flores, caminho do chá, etc. Todos eles são aperfeiçoados e sublimados graças ao emprego do seiza.

Certa vez, numa escola de Formosa, investigando as relações entre a disposição mental e a prática do seiza, pediu-se aos professores de judô e esgrima que adiassem o ensino de suas respectivas artes aos alunos recém-matriculados, que foram exercitados na prática do seiza. Os alunos chineses não tinham nenhuma esperiência no seiza. Alguns sofriam bastante com apenas cinco minutos de prática, empalidecendo e caindo, ou então expelindo gases. Com perseverança, passaram a tolerar dez, quinze, trinta minutos. Precisaram de dois anos para agüentar uma hora. Depois de adestrados no seiza, passaram ao aprendizado das técnicas. No fim do terceiro ano, muitos, além de alcançarem melhores resultados nos estudos, tinham obtido graus de judô e esgrima. Quando esses alunos chegaram ao quinto ano, foram infelizmente derrotados na competição de esgrima, mas venceram todos os competidores de Formosa no judô e representaram Formosa no Campeonato de Educação Física do Santuário Meiji. Os naturais de Formosa, até então considerados pouco fortes, foram assim recebidos no mundo das artes militares. Esse exemplo é suficiente para mostrar quão útil é o seiza para o aprimoramento do corpo e da mente. Com isso nós podemos compreender a disposição de espírito com que os samurais praticavam o seiza.

Como o zen é a alma mater do seiza? Nos fins da Segunda Guerra Mundial, intelectuais do mundo inteiro, transcendendo o sectarismo religioso, passaram a demonstrar profundo e especial interesse pela maneira zen do homem viver a vida. Isso levou a um verdadeiro boom do zen, que passou a atrair intensamente a atenção das pessoas. Em muitas universidades dos Estados Unidos, de Los Angeles a Cincinati, há professores publicando trabalhos minuciosos sobre zen. O Dr. Clark, do laboratório de psicologia infantil de Detroit, vem realizando trabalhos práticos sobre a utilização do zen na terapia de distúrbios mentais, abrindo, assim, um novo caminho para o zen. Misako Miyamoto, professora de uma universidade feminina japonesa, que realizou tais estudos na América do Norte, publicou um apanhado geral dos mesmos em Psychologia, revista internacional de psicologia do Oriente. Fala ela de seu espanto por ter estudado o zen nos Estados Unidos e manifesta vergonha pelo fato de só no estrangeiro lhe terem ensinado o que há de bom em sua própria cultura. Assim, nos Estados Unidos já foi ultrapassada a fase dos meros estudos e se atingiu a da utilização prática do zen. A teoria de Freud explica as reações psicológicas humanas pelos instintos, mas a moderna psicologia americana já reconhece, além dos instintos, algo real que toca a vida do ser humano. Parece que muitos pensam que o zen é o único caminho que levará ao reconhecimento desse "algo".

A revista Kyoiko to Igaku (Educação e Medicina) relatou o seguinte fato: em lares ingleses da classe média para cima, as crianças não aprendem boas maneiras sob coerção, obrigadas a fazerem determinadas coisas e a se absterem de outras. A partir dos três anos, as mães fazem os filhos praticarem seiza consigo, sentados em cadeiras, eretos, calados, respirando ritmicamente. Essa prática diária pode continuar até os vinte anos e chega a ter uma hora de duração. Considera-se, então, terminado o aprendizado de boas maneiras. Diante da ineficácia da coerção externa, procura-se levar o educado a espontaneamente manifestar o desejo de praticar boas maneiras. Aí encontramos uma proximidade entre o Oriente e a Inglaterra, ao que tudo indica por influência do Bushido. No seiza, a parte superior do corpo é mais importante que as pernas, e este relato, que nos informa sobre uma utilização pouco conhecida do seiza, demonstra essa afirmação.

O termo zen vem do sânscrito diana, que na China modificou-se para zen-na, vindo posteriormente a ser abreviado para zen. Zen-na foi traduzido para "pensamento tranqüilo". Os antigos comparavam a mente à água dentro de uma vasilha, e diziam: Quando a vasilha se move a água se agita, mas quando fica imóvel o líquido fica tranqüilo. Daí a idéia da prática do seiza, que passou a ser considerado o método correto para a abtenção da tranqüilidade mental. Isso porque, quando se está em pé, o centro de gravidade do nosso corpo se acha em posição elevada, sem estabilidade suficiente, o que acarreta um estado de inquietude mental. E, quando se deita, a estabilidade do corpo é excessiva e provoca quietude mental também exagerada, gerando sonolência. Quando se dorme, obviamente não se está no estado de quietude mental visado. Quando tomamos a posição sentada, porém, obtemos o grau ideal de estabilidade física e mental, o estado de quietude mental mais conveniente.

Além da posição sentada, buscaram-se condições ideais para a obtenção da quietude mental. Verificou-se que, de olhos fechados, o praticante tem a sensação de estar balançando e se torna mais propenso ao sono. Por isso, os olhos devem ficar sempre abertos. Como não é bom que o corpo fique apertado, aconselha-se também que as vestes sejam folgadas. Recomenda-se ainda que a coluna vertebral fique rigorosamente na vertical e que seja aumentada a quantidade de ar inspirada no processo respiratório. Para isso, o ideal é a respiração abdominal. Assim, pouco a pouco os antigos foram estabelecendo a posição e as regras propícias para o seiza.

Que esclarecimentos nos dá a ciência moderna sobre o seiza? Vejamos primeiramente a respiração. Ela começa por ocasião do nascimento, quando o ar penetra no interior do corpo do bebê, produzindo seu primeiro vagido. A vida depende da respiração. O fim da respiração é um dos sinais da morte, fim da vida. Existe uma profunda relação entre respiração e saúde. Para ter uma vida longa, é necessário ter uma respiração profunda. Corpo e mente entram em quietude e são criadas melhores condições para a vida.

Um adulto saudável respira doze vezes por minuto. A emoção aumenta esse número. Cólera, a emoção mais fácil de se observar, pode elevá-lo a quarenta por minuto. O corpo fica então extremamente exausto, o que prejudica a saúde. Quando, porém, se pratica o seiza, provocando uma tensão nos músculos do baixo-ventre e regulando a respiração, dentro de dois ou três minutos a freqüência baixa para quatro ou mesmo duas vezes por minuto. Nota-se um aumento da capacidade pulmonar normal, de 500cc., para 1000 ou 2000. Também melhoram as condições da circulação sangüínea. Uma pessoa normal, respirando normalmente, conserva um terço de seu volume sangüíneo mais ou menos estagnado no baixo-ventre. A respiração abdominal controlada acarreta uma circulação perfeita. A pessoa treinada consegue condições ideais de circulação sangüínea após os primeiros quinze minutos de controle. Os batimentos do coração, o pulso e a pressão também atingem condições ideais. Baixa a pressão daquele que a tem alta demais e vice-versa.

Agora, vejamos a questão do gasto de energia pelo organismo. Um homem adulto em repouso necessita por dia um mínimo de 1400 calorias. A prática do seiza e do controle da respiração faz baixar essa necessidade para 1000 calorias. A saúde é mantida com um mínimo de alimentação. A alimentação frugal dos antigos samurais e dos praticantes da cerimônia do chá está relacionada com essas práticas.

Os antigos diziam que a mente estava localizada no ventre. Depois colocaram-na no peito. Hoje, a ciência a situa na cabeça, no cérebro. Vimos como o seiza faz baixar o consumo de calorias. Essa economia é feita com calorias gastas pelo cérebro. Uma pessoa normal gasta mais de 400 calorias no cérebro, mas a prática do seiza diminui esse número mais da metade, e em certas pessoas o faz baixar quase até zero. Isso mostra que o seiza não provoca esforço cerebral. No cérebro humano existem cerca de vinte bilhões de neurônios, como tubos de vácuo num rádio. Cerca de 90% deles são ocupados com funções inconscientes e só 10% com as conscientes. Atuamos voluntária e conscientemente apenas sobre 5% de nossos neurônios, exercitando o pensamento, a memória, etc. Portanto, a recuperação da fadiga sofrida por essa parte é fácil. Entretanto, quando agimos de má vontade, obrigados por outrem, aumenta a atividade inconsciente, já que não o fazemos por vontade própria. Isso coloca em atividade 90% de nosso cérebro e provoca uma fadiga da qual não é fácil se recuperar. Além disso, o trabalho dos neurônios do inconsciente é dez vezes mais rápido do que os ligados ao consciente. Os antigos recomendavam, "Torna-te senhor em todas as circunstâncias", para resolver todos os problemas da vida e obter realização integral como ser humano. Quando agimos voluntária e independentemente em relação a quaisquer circunstâncias, não atuamos sobre as células vinculadas ao inconsciente e o esforço é muitíssimo menor. O esforço voluntário produz o máximo de resultados com um mínimo de gastos. Este espírito de independência nasce espontaneamente com a prática do seiza. O treinamento nas artes tradicionais japonesas, como em ikebana ou teatro nô, demora longos anos e demanda, através da prática do seiza, que seja desenvolvido o espírito de independência, a fim de se conseguir o máximo trabalho mental com o mínimo de esforço. O Caminho deve ser palmilhado com espírito de independência.

O cérebro humano emite ondas elétricas de baixíssima freqüência. O psicólogo alemão Hans Berger descobriu a relação entre essas ondas e os vários aspectos da vida psíquica. Uma pessoa de olhos fechados, em atitude de repouso, diminui sua atividade psíquica e tende a adormecer se permanece como está, ou, pelo contrário, tende a aumentar sua atividade se abre os olhos. Porém aquele que pratica corretamente o seiza, consegue, mesmo de olhos abertos, penetrar num estado profundo de repouso que nada tem a ver com o sono. Este é um fenômeno natural, ao passo que o repouso alcançado pelo seiza é obtido através de uma atividade consciente e independente.

A diferença entre o estado de repouso devido ao seiza e o sono pode ser demonstrada através de estímulos sonoros. Quem dorme reage a um ruído através de movimentos lentos. O praticante do seiza reage a ruídos imperceptíveis às pessoas comuns, como o da queda de um alfinete, mas imediatamente se desfaz a tensão provocada pelo ruído e a pessoa volta ao estado de repouso. Uma pessoa comum leva dez segundos para voltar ao normal após um estímulo, mas o praticante do seiza leva apenas um. Ele capta e interpreta com extrema rapidez os mais débeis fenômenos do mundo exterior, não permanecendo apegado a eles sem necessidade. Um poema antigo dizia:


Para aquele que pratica zen
As pessoas que passam pela ponte
São como árvores.

Este poema está errado. A versão correta é:

Para aquele que pratica o zen

As pessoas que passam pela ponte

São aquilo que são.

O máximo em tranqüilidade mental consiste em ver a realidade tal como ela é. Assim, a postura do seiza é a expressão do máximo em tranqüilidade possível a um ser humano. A prática constante do exercício permitirá, inclusive, conservar esse estado de tranqüilidade em todas as circunstâncias da vida, andando, descansando ou trabalhando. Se isso não acontecer, as ondas cerebrais estarão agitadas e tensas e a pessoa não terá a verdadeira tranqüilidade. A ciência moderna define essa tranqüilidade como sendo a perfeita integração do corpo e da mente ou a manifestação do verdadeiro Eu.

O mundo de hoje está repleto dos mais variados ruídos. Uma entre dez pessoas apresenta distúrbios mentais e oito estão em situação periclitante. Vivemos numa época neurótica. Todos desejam tranqüilidade física e mental. Talvez se deva a isso a atual procura dos métodos orientais para tranqüilizar a mente. Procuremos todos nos esforçar para o alcance dessa tranqüilidade.

Nos tempos antigos, os japoneses não viviam sobre esteiras; sentavam em cadeiras ou de pernas cruzadas sobre o chão de terra batida. Mas gradual progresso foi transformando essas posturas, principalmente depois da classe guerreira dos samurais tomar o poder político. Talvez porque o sentimento de impermanência das coisas, originado na vida do guerreiro sempre exposto a muitos perigos, levasse os samurais a procurar uma resposta para o problema de como viver. Assim, eles praticaram o zen e logo formularam o Bushido, código de honra samurai. Essa atitude dos guerreiros, de dedicação ao zen, foi se popularizando, e depois dos agitados anos de guerra civil do século XIV, na Era Muromachi, generalizou-se e o uso de cadeiras foi completamente substituído pelo seiza. Aí então brotaram e cresceram os elementos culturais acima mencionados. Podemos dizer que a cultura japonesa é a "cultura do seiza".

Um elemento importante no processo de substituição das cadeiras por essa postura foi o código de etiqueta dos samurais. Organizado por Sadamung Ogasawara, sob a orientação do monge chinês naturalizado japonês Socho, sofreu pequenas alterações na época do shogun Yoshimitsu Ashikaga e tornou-se, enfim, o código oficial da classe guerreira, com o nome de Sangi-ito, conhecido vulgarmente como estilo Ogasawara de etiqueta.

Entre as várias formas de praticar a meditação zen existe a bosatsu-za, ou postura do bodisatva, que consiste em sentar sobre os calcanhares. Essa postura se transformou no nipon-za provavelmente pelo fato do código de honra dos samurais ser calcado nas virtudes do bodisatva, aquele que no seio da comunidade humana se esforça na prática e na difusão dos ensinamentos de Buda. Para manter uma posição na qual se está sempre pronto para instantaneamente atender ao apelo de outrem é preciso a maior calma, até para discernir os ruídos exteriores. Senta-se sobre os calcanhares, sem cruzar as pernas, para conseguir esses dois objetivos. Os guerreiros, que como um bodisatva precisavam responder imediatamente a apelos diversos, manifestaram um grande interesse por essa postura. O uso das esteiras tatami tornou-se comum no início do século XVII. Assim que as vantagens do seiza foram reconhecidas pelos guerreiros, sua prática passou a ser obrigatória no treinamento das artes militares. Os elementos da cultura japonesa são qualificados com a palavra "caminho" — caminho das artes militares, caminho das flores, caminho do chá, etc. Todos eles são aperfeiçoados e sublimados graças ao emprego do seiza.

Certa vez, numa escola de Formosa, investigando as relações entre a disposição mental e a prática do seiza, pediu-se aos professores de judô e esgrima que adiassem o ensino de suas respectivas artes aos alunos recém-matriculados, que foram exercitados na prática do seiza. Os alunos chineses não tinham nenhuma esperiência no seiza. Alguns sofriam bastante com apenas cinco minutos de prática, empalidecendo e caindo, ou então expelindo gases. Com perseverança, passaram a tolerar dez, quinze, trinta minutos. Precisaram de dois anos para agüentar uma hora. Depois de adestrados no seiza, passaram ao aprendizado das técnicas. No fim do terceiro ano, muitos, além de alcançarem melhores resultados nos estudos, tinham obtido graus de judô e esgrima. Quando esses alunos chegaram ao quinto ano, foram infelizmente derrotados na competição de esgrima, mas venceram todos os competidores de Formosa no judô e representaram Formosa no Campeonato de Educação Física do Santuário Meiji. Os naturais de Formosa, até então considerados pouco fortes, foram assim recebidos no mundo das artes militares. Esse exemplo é suficiente para mostrar quão útil é o seiza para o aprimoramento do corpo e da mente. Com isso nós podemos compreender a disposição de espírito com que os samurais praticavam o seiza.

Como o zen é a alma mater do seiza? Nos fins da Segunda Guerra Mundial, intelectuais do mundo inteiro, transcendendo o sectarismo religioso, passaram a demonstrar profundo e especial interesse pela maneira zen do homem viver a vida. Isso levou a um verdadeiro boom do zen, que passou a atrair intensamente a atenção das pessoas. Em muitas universidades dos Estados Unidos, de Los Angeles a Cincinati, há professores publicando trabalhos minuciosos sobre zen. O Dr. Clark, do laboratório de psicologia infantil de Detroit, vem realizando trabalhos práticos sobre a utilização do zen na terapia de distúrbios mentais, abrindo, assim, um novo caminho para o zen. Misako Miyamoto, professora de uma universidade feminina japonesa, que realizou tais estudos na América do Norte, publicou um apanhado geral dos mesmos em Psychologia, revista internacional de psicologia do Oriente. Fala ela de seu espanto por ter estudado o zen nos Estados Unidos e manifesta vergonha pelo fato de só no estrangeiro lhe terem ensinado o que há de bom em sua própria cultura. Assim, nos Estados Unidos já foi ultrapassada a fase dos meros estudos e se atingiu a da utilização prática do zen. A teoria de Freud explica as reações psicológicas humanas pelos instintos, mas a moderna psicologia americana já reconhece, além dos instintos, algo real que toca a vida do ser humano. Parece que muitos pensam que o zen é o único caminho que levará ao reconhecimento desse "algo".

A revista Kyoiko to Igaku (Educação e Medicina) relatou o seguinte fato: em lares ingleses da classe média para cima, as crianças não aprendem boas maneiras sob coerção, obrigadas a fazerem determinadas coisas e a se absterem de outras. A partir dos três anos, as mães fazem os filhos praticarem seiza consigo, sentados em cadeiras, eretos, calados, respirando ritmicamente. Essa prática diária pode continuar até os vinte anos e chega a ter uma hora de duração. Considera-se, então, terminado o aprendizado de boas maneiras. Diante da ineficácia da coerção externa, procura-se levar o educado a espontaneamente manifestar o desejo de praticar boas maneiras. Aí encontramos uma proximidade entre o Oriente e a Inglaterra, ao que tudo indica por influência do Bushido. No seiza, a parte superior do corpo é mais importante que as pernas, e este relato, que nos informa sobre uma utilização pouco conhecida do seiza, demonstra essa afirmação.

O termo zen vem do sânscrito diana, que na China modificou-se para zen-na, vindo posteriormente a ser abreviado para zen. Zen-na foi traduzido para "pensamento tranqüilo". Os antigos comparavam a mente à água dentro de uma vasilha, e diziam: Quando a vasilha se move a água se agita, mas quando fica imóvel o líquido fica tranqüilo. Daí a idéia da prática do seiza, que passou a ser considerado o método correto para a abtenção da tranqüilidade mental. Isso porque, quando se está em pé, o centro de gravidade do nosso corpo se acha em posição elevada, sem estabilidade suficiente, o que acarreta um estado de inquietude mental. E, quando se deita, a estabilidade do corpo é excessiva e provoca quietude mental também exagerada, gerando sonolência. Quando se dorme, obviamente não se está no estado de quietude mental visado. Quando tomamos a posição sentada, porém, obtemos o grau ideal de estabilidade física e mental, o estado de quietude mental mais conveniente.

Além da posição sentada, buscaram-se condições ideais para a obtenção da quietude mental. Verificou-se que, de olhos fechados, o praticante tem a sensação de estar balançando e se torna mais propenso ao sono. Por isso, os olhos devem ficar sempre abertos. Como não é bom que o corpo fique apertado, aconselha-se também que as vestes sejam folgadas. Recomenda-se ainda que a coluna vertebral fique rigorosamente na vertical e que seja aumentada a quantidade de ar inspirada no processo respiratório. Para isso, o ideal é a respiração abdominal. Assim, pouco a pouco os antigos foram estabelecendo a posição e as regras propícias para o seiza.

Que esclarecimentos nos dá a ciência moderna sobre o seiza? Vejamos primeiramente a respiração. Ela começa por ocasião do nascimento, quando o ar penetra no interior do corpo do bebê, produzindo seu primeiro vagido. A vida depende da respiração. O fim da respiração é um dos sinais da morte, fim da vida. Existe uma profunda relação entre respiração e saúde. Para ter uma vida longa, é necessário ter uma respiração profunda. Corpo e mente entram em quietude e são criadas melhores condições para a vida.

Um adulto saudável respira doze vezes por minuto. A emoção aumenta esse número. Cólera, a emoção mais fácil de se observar, pode elevá-lo a quarenta por minuto. O corpo fica então extremamente exausto, o que prejudica a saúde. Quando, porém, se pratica o seiza, provocando uma tensão nos músculos do baixo-ventre e regulando a respiração, dentro de dois ou três minutos a freqüência baixa para quatro ou mesmo duas vezes por minuto. Nota-se um aumento da capacidade pulmonar normal, de 500cc., para 1000 ou 2000. Também melhoram as condições da circulação sangüínea. Uma pessoa normal, respirando normalmente, conserva um terço de seu volume sangüíneo mais ou menos estagnado no baixo-ventre. A respiração abdominal controlada acarreta uma circulação perfeita. A pessoa treinada consegue condições ideais de circulação sangüínea após os primeiros quinze minutos de controle. Os batimentos do coração, o pulso e a pressão também atingem condições ideais. Baixa a pressão daquele que a tem alta demais e vice-versa.

Agora, vejamos a questão do gasto de energia pelo organismo. Um homem adulto em repouso necessita por dia um mínimo de 1400 calorias. A prática do seiza e do controle da respiração faz baixar essa necessidade para 1000 calorias. A saúde é mantida com um mínimo de alimentação. A alimentação frugal dos antigos samurais e dos praticantes da cerimônia do chá está relacionada com essas práticas.

Os antigos diziam que a mente estava localizada no ventre. Depois colocaram-na no peito. Hoje, a ciência a situa na cabeça, no cérebro. Vimos como o seiza faz baixar o consumo de calorias. Essa economia é feita com calorias gastas pelo cérebro. Uma pessoa normal gasta mais de 400 calorias no cérebro, mas a prática do seiza diminui esse número mais da metade, e em certas pessoas o faz baixar quase até zero. Isso mostra que o seiza não provoca esforço cerebral. No cérebro humano existem cerca de vinte bilhões de neurônios, como tubos de vácuo num rádio. Cerca de 90% deles são ocupados com funções inconscientes e só 10% com as conscientes. Atuamos voluntária e conscientemente apenas sobre 5% de nossos neurônios, exercitando o pensamento, a memória, etc. Portanto, a recuperação da fadiga sofrida por essa parte é fácil. Entretanto, quando agimos de má vontade, obrigados por outrem, aumenta a atividade inconsciente, já que não o fazemos por vontade própria. Isso coloca em atividade 90% de nosso cérebro e provoca uma fadiga da qual não é fácil se recuperar. Além disso, o trabalho dos neurônios do inconsciente é dez vezes mais rápido do que os ligados ao consciente. Os antigos recomendavam, "Torna-te senhor em todas as circunstâncias", para resolver todos os problemas da vida e obter realização integral como ser humano. Quando agimos voluntária e independentemente em relação a quaisquer circunstâncias, não atuamos sobre as células vinculadas ao inconsciente e o esforço é muitíssimo menor. O esforço voluntário produz o máximo de resultados com um mínimo de gastos. Este espírito de independência nasce espontaneamente com a prática do seiza. O treinamento nas artes tradicionais japonesas, como em ikebana ou teatro nô, demora longos anos e demanda, através da prática do seiza, que seja desenvolvido o espírito de independência, a fim de se conseguir o máximo trabalho mental com o mínimo de esforço. O Caminho deve ser palmilhado com espírito de independência.

O cérebro humano emite ondas elétricas de baixíssima freqüência. O psicólogo alemão Hans Berger descobriu a relação entre essas ondas e os vários aspectos da vida psíquica. Uma pessoa de olhos fechados, em atitude de repouso, diminui sua atividade psíquica e tende a adormecer se permanece como está, ou, pelo contrário, tende a aumentar sua atividade se abre os olhos. Porém aquele que pratica corretamente o seiza, consegue, mesmo de olhos abertos, penetrar num estado profundo de repouso que nada tem a ver com o sono. Este é um fenômeno natural, ao passo que o repouso alcançado pelo seiza é obtido através de uma atividade consciente e independente.

A diferença entre o estado de repouso devido ao seiza e o sono pode ser demonstrada através de estímulos sonoros. Quem dorme reage a um ruído através de movimentos lentos. O praticante do seiza reage a ruídos imperceptíveis às pessoas comuns, como o da queda de um alfinete, mas imediatamente se desfaz a tensão provocada pelo ruído e a pessoa volta ao estado de repouso. Uma pessoa comum leva dez segundos para voltar ao normal após um estímulo, mas o praticante do seiza leva apenas um. Ele capta e interpreta com extrema rapidez os mais débeis fenômenos do mundo exterior, não permanecendo apegado a eles sem necessidade. Um poema antigo dizia:

Para aquele que pratica zen

As pessoas que passam pela ponte

São como árvores.

Este poema está errado. A versão correta é:

Para aquele que pratica o zen

As pessoas que passam pela ponte

São aquilo que são.

O máximo em tranqüilidade mental consiste em ver a realidade tal como ela é. Assim, a postura do seiza é a expressão do máximo em tranqüilidade possível a um ser humano. A prática constante do exercício permitirá, inclusive, conservar esse estado de tranqüilidade em todas as circunstâncias da vida, andando, descansando ou trabalhando. Se isso não acontecer, as ondas cerebrais estarão agitadas e tensas e a pessoa não terá a verdadeira tranqüilidade. A ciência moderna define essa tranqüilidade como sendo a perfeita integração do corpo e da mente ou a manifestação do verdadeiro Eu.

O mundo de hoje está repleto dos mais variados ruídos. Uma entre dez pessoas apresenta distúrbios mentais e oito estão em situação periclitante. Vivemos numa época neurótica. Todos desejam tranqüilidade física e mental. Talvez se deva a isso a atual procura dos métodos orientais para tranqüilizar a mente. Procuremos todos nos esforçar para o alcance dessa tranqüilidade.

Este artigo foi adaptado para Bodisatva a partir de um texto aparentemente publicado no Brasil, cuja origem os editores não puderam identificar no manuscrito. A quem o reconhecer, pedimos o favor de comunicar-se conosco para que os créditos constem de uma próxima edição. Obrigado.»

Fonte: http://www.geocities.com/~bodisatva/seiza.htm

Isabel Rosete - pesquisa e divulgação