terça-feira, 14 de setembro de 2010

COMO SE FAZ UM FILÓSOFO

Falamos o tempo todo de existência e é obviamente um conceito fundamental, mas o que quer dizer exactamente? Isto revela-se algo extraordinariamente difícil. A pergunta é enigmática, mas é possível fazer progressos (…). E a existência não é um tópico que a ciência possa alguma vez vir a ser capaz de dar conta. É uma questão puramente filosófica, simples mas surpreendentemente confusa. Pensar sobre ela faz-nos ver que mesmo os nossos conceitos mais básicos não são claros para nós; usamo-los sem grande problemas, mas não temos qualquer compreensão articulada do que envolvem. É aqui que a Filosofia entra. E isto mostra que é um erro pensar que todas as questões genuínas são científicas ou empíricas. Na verdade a própria ciência levanta problemas filosóficos.


O mesmo acontece com a Literatura, com a História, a Economia, as Ciências da Computação, a Matemática e assim por diante. Na Matemática, por exemplo, há a questão de saber de onde vieram os números: será que são apenas marcas num papel, ou ideias na mente dos matemáticos? Será que são, como Platão pensava, entidades objectivas e independente da mente que existem fora do espaço e do tempo? Nada daquilo que aprendemos numa aula normal de Matemática nos pode dar a preparação necessária para responder a tais perguntas (...). Nas ciências empíricas, as teorias são criadas para explicar os dados que foram observados, e consideramos muitas vezes que estas teoria fornecem descrições corretas da realidade. Mas note-se que esta caracterização da ciência usa vários conceitos que precisam urgentemente de ser elucidados: o que é uma teoria? O que é uma explicação? O que distingue uma observação da teoria usada para a explicar? O que é a verdade? O que é a realidade? A ciência opera com estes conceitos, mas não tem recursos para os explicar. O mesmo acontece com as ciências sociais: também usam os conceitos que acabamos de referir, mas também invocam conceitos como o de razão ou motivo, assim como conceitos normativos como o de correcto e obrigatório – e estes conduzem-nos à filosofia moral e política, assim como à filosofia da mente. As artes empregam conceitos estéticos como os de beleza e representação, que levantam questões filosóficas: é a beleza subjectiva ou objectiva? Será que toda a representação artística é fundamentalmente do mesmo tipo? O que determina o valor estético de uma obra de arte? Depois há os conceitos extremamente gerais que surgem de súbito em todo o lado – tempo, causalidade, necessidade, existência, objecto, propriedade, identidade. Nenhuma disciplina científica nos pode dizer o que estes conceitos envolvem, porque são pressupostos para quaisquer destas disciplinas; precisamos da Filosofia para compreender estes conceitos. Por exemplo: é a causalidade simplesmente uma questão de simples conjunção constante de acontecimentos (…) ou será que envolve um elemento de conexão necessária? E que tipo de necessidade pode ser? Será qualquer coisa como a verdade necessária de «os solteiros não são casados»?
Estas são as perguntas que os seres humanos fazem naturalmente e acerca das quais têm estado perplexos desde que se registou pela primeira vez o pensamento articulado. As crianças fazem perguntas filosóficas espontaneamente, para grande frustração dos pais (…). O filósofo é apenas alguém com interesses particularmente fortes sobre estas velhas questões universais; é a encarnação de um género de curiosidade humana (…). Claro que é fácil ficar impaciente com estas questões, pois não admitem resolução científica. Porém, na verdade esta é uma resposta de filisteu combinada com fetiche científico. A ciência é sem dúvida uma tarefa importante e nobre, mas não é a única forma de investigação intelectual com valor. Não devemos abraçar a ideia de que uma pergunta ou é científica ou coisa nenhuma”.
Fonte: Colin McGinn – Como se faz um filósofo. Tradução de Célia Teixeira. Revisão científica de Desidério Murcho. Bizâncio, Março de 2007, pp. 247-249.
Isabel Rosete

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