O Filósofo para Sócrates
Um curinga em Atenas – O Mundo de Sofia – Jostein Gaarder
Um curinga em Atenas – O Mundo de Sofia – Jostein Gaarder
(...)
Sócrates foi contemporâneo dos sofistas*. Como eles, Sócrates também se ocupava das pessoas e da vida das pessoas, e não dos problemas dos filósofos naturais. Alguns séculos mais tarde, um filósofo romano – Cícero – disse que Sócrates havia trazido a filosofia do céu para a terra, transformado cidades e casas em sua morada e levado as pessoas a refletir sobre a vida e os costumes, sobre o bem e o mal.
Mas Sócrates diferia dos sofistas num ponto muito importante. Ele não se considerava um sofista, isto é, uma pessoa instruída, sábia. Ao contrário dos sofistas, ele não cobrava absolutamente nada por seus ensinamentos. Não, Sócrates se autodenominava filósofo, no sentido mais verdadeiro da palavra. Um “filo-sofo” é, na verdade, um “amante da sabedoria”, alguém cujo objetivo é chegar à sabedoria.
(...) Os sofistas cobram por suas exposições mirabolantes, e a história registra que tais “sofistas” têm aparecido e desaparecido com bastante freqüência. Estou pensando agora naqueles professores e nos sabidões que ou estão satisfeitos com o pouco que sabem, ou então vivem se gabando de que sabem um monte de coisas das quais na verdade não fazem a menor idéia. Você certamente já encontrou “sofistas” como esses em sua vida. Um verdadeiro filósofo, Sofia, é alguém completamente diferente; é o extremo oposto.
Um filósofo sabe muito bem que, no fundo, ele sabe muito pouco. Justamente por isto ele vive tentando chegar ao verdadeiro conhecimento. Sócrates foi uma dessas raras pessoas. Ele sabia muito bem que nada sabia sobre a vida e o mundo. E agora é que vem o mais importante: o fato de saber tão pouco não o deixava em paz.
Um filósofo, portanto, é uma pessoa que reconhece que há muita coisa além do que ele pode entender e vive atormentado por isto. Desse ponto de vista, ele é mais inteligente do que todos os que vivem se vangloriando de seus pretensos conhecimentos. “Mais inteligente é aquele que sabe que não sabe”, lembra-se? O próprio Sócrates dizia que a única coisa que sabia era que não sabia de nada. Grave bem esta afirmação, pois esta confissão é uma coisa rara mesmo entre os filósofos. Além disso, é tão perigoso fazer uma declaração dessa assim publicamente que ela pode lhe custar a vida. Os que questionam são sempre os mais perigosos. Responder não é perigoso. Uma única pergunta pode ser mais explosiva do que mil respostas.
Você já ouviu a história das roupas novas do imperador? Na verdade, o imperador estava completamente nu, mas nenhum de seus súditos ousava lhe dizer isto. De repente, uma criança gritou que o imperador estava pelado. Era uma criança corajosa, Sofia. Da mesma forma, Sócrates ousou mostrar às pessoas que elas sabiam muito pouco. Já nos referimos às semelhanças entre as crianças e os filósofos, lembra-se?
Para ser mais preciso: a humanidade está diante de questões importantes, para as quais não é fácil encontrar uma resposta adequada. E então abrem-se duas possibilidades: podemos simplesmente enganar a nós mesmos e o resto do mundo como se soubéssemos de tudo o que vale a pena saber, ou então podemos simplesmente fechar os olhos para essas questões importantes e desistir para sempre de ir em frente. Isto divide a humanidade em duas partes. De um modo geral, as pessoas ou acham que estão cem por cento certas, ou então se mostram indiferentes. (Esses dois tipos de pessoas são aquelas que ficam se arrastando lá embaixo da pelagem do coelho!) É como separar as cartas de um baralho, Sofia. Fazemos um montinho com as cartas pretas e outro com as vermelhas. De vez em quando, porém, aparece um curinga: uma carta que não é nem de copas, nem de paus, nem de outros, nem de espadas. Em Atenas, Sócrates era como um curinga: nem cem por cento seguro, nem indiferente. Ele sabia apenas que nada sabia, e isto o atormentava. Então tornou-se filósofo, isto é, alguém que não desiste, que busca incansavelmente chegar ao conhecimento.
Dizem que um dia um cidadão de Atenas perguntou ao oráculo de Delfos quem seria o homem mais inteligente de Atenas. O oráculo respondeu: Sócrates. Quando Sócrates ficou sabendo disso, admirou-se, para dizer o mínimo. (Acho mesmo é que ele deu boas gargalhadas, Sofia). Imediatamente foi até a cidade e procurou um homem que ele e outras pessoas consideravam muito inteligente. Mas quando viu que este homem não era capaz de responder claramente às suas perguntas, Sócrates entendeu que o oráculo tinha razão.
(...)
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. (trad. João Azenha. Jr.) São Paulo: Cia. das Letras, 1995. pp.82-84.
* Sábios e retóricos gregos, contemporâneos de Sócrates, que vendiam seus ensinamentos filosóficos (prática condenada por muitos na época). (Larousse Cultural)
Sócrates foi contemporâneo dos sofistas*. Como eles, Sócrates também se ocupava das pessoas e da vida das pessoas, e não dos problemas dos filósofos naturais. Alguns séculos mais tarde, um filósofo romano – Cícero – disse que Sócrates havia trazido a filosofia do céu para a terra, transformado cidades e casas em sua morada e levado as pessoas a refletir sobre a vida e os costumes, sobre o bem e o mal.
Mas Sócrates diferia dos sofistas num ponto muito importante. Ele não se considerava um sofista, isto é, uma pessoa instruída, sábia. Ao contrário dos sofistas, ele não cobrava absolutamente nada por seus ensinamentos. Não, Sócrates se autodenominava filósofo, no sentido mais verdadeiro da palavra. Um “filo-sofo” é, na verdade, um “amante da sabedoria”, alguém cujo objetivo é chegar à sabedoria.
(...) Os sofistas cobram por suas exposições mirabolantes, e a história registra que tais “sofistas” têm aparecido e desaparecido com bastante freqüência. Estou pensando agora naqueles professores e nos sabidões que ou estão satisfeitos com o pouco que sabem, ou então vivem se gabando de que sabem um monte de coisas das quais na verdade não fazem a menor idéia. Você certamente já encontrou “sofistas” como esses em sua vida. Um verdadeiro filósofo, Sofia, é alguém completamente diferente; é o extremo oposto.
Um filósofo sabe muito bem que, no fundo, ele sabe muito pouco. Justamente por isto ele vive tentando chegar ao verdadeiro conhecimento. Sócrates foi uma dessas raras pessoas. Ele sabia muito bem que nada sabia sobre a vida e o mundo. E agora é que vem o mais importante: o fato de saber tão pouco não o deixava em paz.
Um filósofo, portanto, é uma pessoa que reconhece que há muita coisa além do que ele pode entender e vive atormentado por isto. Desse ponto de vista, ele é mais inteligente do que todos os que vivem se vangloriando de seus pretensos conhecimentos. “Mais inteligente é aquele que sabe que não sabe”, lembra-se? O próprio Sócrates dizia que a única coisa que sabia era que não sabia de nada. Grave bem esta afirmação, pois esta confissão é uma coisa rara mesmo entre os filósofos. Além disso, é tão perigoso fazer uma declaração dessa assim publicamente que ela pode lhe custar a vida. Os que questionam são sempre os mais perigosos. Responder não é perigoso. Uma única pergunta pode ser mais explosiva do que mil respostas.
Você já ouviu a história das roupas novas do imperador? Na verdade, o imperador estava completamente nu, mas nenhum de seus súditos ousava lhe dizer isto. De repente, uma criança gritou que o imperador estava pelado. Era uma criança corajosa, Sofia. Da mesma forma, Sócrates ousou mostrar às pessoas que elas sabiam muito pouco. Já nos referimos às semelhanças entre as crianças e os filósofos, lembra-se?
Para ser mais preciso: a humanidade está diante de questões importantes, para as quais não é fácil encontrar uma resposta adequada. E então abrem-se duas possibilidades: podemos simplesmente enganar a nós mesmos e o resto do mundo como se soubéssemos de tudo o que vale a pena saber, ou então podemos simplesmente fechar os olhos para essas questões importantes e desistir para sempre de ir em frente. Isto divide a humanidade em duas partes. De um modo geral, as pessoas ou acham que estão cem por cento certas, ou então se mostram indiferentes. (Esses dois tipos de pessoas são aquelas que ficam se arrastando lá embaixo da pelagem do coelho!) É como separar as cartas de um baralho, Sofia. Fazemos um montinho com as cartas pretas e outro com as vermelhas. De vez em quando, porém, aparece um curinga: uma carta que não é nem de copas, nem de paus, nem de outros, nem de espadas. Em Atenas, Sócrates era como um curinga: nem cem por cento seguro, nem indiferente. Ele sabia apenas que nada sabia, e isto o atormentava. Então tornou-se filósofo, isto é, alguém que não desiste, que busca incansavelmente chegar ao conhecimento.
Dizem que um dia um cidadão de Atenas perguntou ao oráculo de Delfos quem seria o homem mais inteligente de Atenas. O oráculo respondeu: Sócrates. Quando Sócrates ficou sabendo disso, admirou-se, para dizer o mínimo. (Acho mesmo é que ele deu boas gargalhadas, Sofia). Imediatamente foi até a cidade e procurou um homem que ele e outras pessoas consideravam muito inteligente. Mas quando viu que este homem não era capaz de responder claramente às suas perguntas, Sócrates entendeu que o oráculo tinha razão.
(...)
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. (trad. João Azenha. Jr.) São Paulo: Cia. das Letras, 1995. pp.82-84.
* Sábios e retóricos gregos, contemporâneos de Sócrates, que vendiam seus ensinamentos filosóficos (prática condenada por muitos na época). (Larousse Cultural)
Isabel Rosete (investigação)
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