Não seria mau que se tornassem a mostrar as almas e que a filosofia deixasse de ser apenas uma disciplina ensinável para voltar a constituir um engrandecimento e uma razão de vida. Movendo-nos, ainda, no seio dos múltiplos desafios colocados nas últimas três décadas do passado milénio e na crista de tempos de imperativa mudança e inovação educacional, é inevitável caminharmos para uma educação aberta, para além dos disparates legislativos que diariamente assombram a mente dos profissionais da Educação, sem freios políticos ou demagógicos apenas veiculados pelo suposto rigor estatístico de um sucesso escolar fantasiado, quer no que concerne aos conteúdos programáticos, objectivos e métodos, quer no que diz respeito à diversificação dos agentes e práticas das educativas.
Urge a consciencialização crescente e insistente de que a Educação – no seu sentido mais amplo, quer dizer, enquanto formação global da Humanidade – não se deve restringir à estreita concepção de escolaridade, nem tão pouco confundir-se com a mera instrução. Estas distinções conceptuais tornam-se absolutamente necessárias para erguer os fundamentos de uma reflexão séria sobre a educação filosófica e, por extensão, sobre a didáctica da Filosofia, naturalmente singular, em virtude da especificidade desta área do saber jamais redutível ao conceito de “Disciplina”, tal como vulgarmente o entendemos quando nos referimos, por exemplo, à História, à Geografia ou à Matemática.
Não obstante a questão filosoficamente controversa da existência ou não de uma Didáctica exclusiva da Filosofia – alvo de um intenso e polémico debate entre os defensores da sua legitimidade e urgência e aqueles que perspectivam, de um modo assaz suspeito, a aproximação desta, bem como do seu ensino, às denominadas Ciências da Educação – friso, desde já e sem qualquer espécie de reservas, que a Filosofia é, em si mesma, uma pedagogia e uma didáctica e, enquanto tal, o alicerce estrutural das mais variadíssimas formas que envolvam todos os processos de ensino-aprendizagem, quer nos situemos nos domínios da ciências naturais, quer no âmbito das ciências humanas.
Com os antigos gregos aprendemos – e até hoje essa tese ainda não foi refutada – que a Filosofia compreende, na sua essência, os princípios orientadores do seu peculiar exercício comunicativo, os mais sólidos alicerces das suas estratégias de ensinabilidade, as estratégias adequadas para a gestão equilibrada do processo de ensino-aprendizagem, sejam quais forem os conteúdos que a integram, tão vastos quanto ela própria, onde comungam, mais directa ou indirectamente, todas a as ciências que dela nasceram, hoje e sempre, em sangue e alma. Aliás, correria talvez melhor o mundo se as escolas de existência filosófica agissem como um fermento, fossem a guarda da pura ideia, dessem um exemplo de ascetismo, de tenacidade na calma recusa da boa posição, de alegria na pobreza de sempre desperta actividade no ataque de todas as atitudes e doutrinas que significassem diminuição do espírito, ao mesmo tempo se recusando a exercer todo o domínio que não viesse da adesão.
Se atentarmos nas sábias palavras do mestre Agostinho da Silva, também ele filósofo e filosofante, facilmente compreenderemos que o caminho da “Vida Filosófica”, o caminho do Professor de Filosofia e de todos os outros que concebem a arte de bem ensinar como uma das mais nobres missões que alguns eleitos têm a seu cargo, facilmente compreenderemos que a educação filosófica é a base estrutural de todos os processos educativos, porque indica aos outros o rumo ascensional da vida, não deixando que jamais se quebrasse o ténue fio que através de todos os labirintos a humanidade tem seguido na sua marcha para Deus.
Não tomamos a Filosofia, a educação filosófica, que a limite são o mesmo, nem como uma vagabundagem dos espíritos em estado de ócio (mesmo que este seja necessário para se fazer Filosofia), nem como um mero entretenimento literário das mentes vagantes ou como um modo de especulação esquizofrénica, completamente afastado disso a que se chama realidade, nem, muito menos, como um puro subjectivismo de mentes autistas enredadas em mundos virtuais que nada nos dizem da Vida, do Homem, da Natureza e do Universo.
É preciso registar, veementemente, que a Filosofia não cheira a mofo; que a Filosofa não está encafuada no baú apinhado de teias de aranha e de bolas de naftalina, num canto qualquer, do empoeirado sótão dos nossos avós, onde permanecem, lançados, os objectos em desuso.
A Filosofia, a educação filosófica, não é apenas uma das “Belas Artes” encantatórias perante os olhos ávidos de saber, os ouvidos sedentos de um discurso bem elaborado, sonante que paira nos domínios da meta-fíca. Mesmo também assim sendo, a Filosofia, a educação filosófica, é a Vida em todas as suas dimensões, des-veladas ou ocultas; é e está em cada um de nós, seres racionais, sempre que pensamos, ajuizamos, reflectimos ou dissertamos com Espírito Crítico, com esse prazer particular do discernimento as causas, os princípios, que por detrás dos fenómenos se escondem, seja qual for a sua estirpe ou natureza; a Filosofia é um modo peculiar de ver o mundo, de o questionar, pondo-o em dúvida, à prova, sempre com o intuito de chegar à origem, à essência, à raiz, das coisas-mesmas na sua singeleza originária, pelas quais passamos diariamente sem darmos conta da sua existência, e, sobretudo, do modo como existem e são, para além das aparências, das máscaras, dos véus, dos preconceitos que ludibriam as mentes menos atentas, baralhadas nesse frenesim quotidiano que nos esconde a Verdade e a Realidade.
Se a educação filosófica é o motor quase sistemático da problematização do óbvio e do meramente pressuposto ou passível de constatação, também é, em plena simultaneidade, o agente, em permanente activação, de um conjunto de respostas possíveis, ou até mesmo de soluções, assim nos mostra a história da Filosofia, de soluções viáveis para a resolução possível dos múltiplos problemas existenciais que a humanidade vivencia, na maioria das vezes, de uma forma alheada e alienada. Cada sistema filosófico é tão-só uma resposta logicamente organizada, que parte do homem para servir o Homem. É neste sentido que devemos entender a tese de Descartes: viver sem filosofa é
Não obstante o desenlaçar da fundamentação anterior, afigura-se-nos indubitável a necessidade de conferir ao ensino da Filosofia a Didáctica de que ela por si mesma requerer, a qual deverá ser edificada, sempre e inevitavelmente, a partir do seu próprio interior: a melhor formação pedagógica de um professor de filosofia será, e quiçá irredutivelmente, uma sólida formação filosófica. Isto não significa afirmar a absoluta diferenciação disciplinar da Filosofia, nem tão-só a sua tecnicidade. Mas, antes de mais, indica-nos que a formação de filósofos, ou se preferirmos, de ensinantes de Filosofia, deve entender-se como formação de profissionais legítimos, em oposição a qualquer tipo de amadorismo, naturalmente, repugnante.
A Filosofia afirmou-se ontem, e afirma-se hoje, cada vez mais, mesmo por entre aqueles que a negam, ou simplesmente desprezam. A educação filosófica entra, amiúde, nos domínios do necessário, porque os Filósofos, esses etrenos amantes da Sabedoria sem discriminação, jamais ignoram como os homens são feitos, embora sejam mais "ligeiros do que os anjos" e nunca experimentem a necessidade de caminhar entre os mortais bicéfalos, de mentes tão errantes como as aves migratórias, sem pousio certo, sem lugar propriamente determinado, neste Mundo em irremediável con-fusão.
Isabel Rosete
Licenciada em Filosofia pela Universidade de Lisboa (UL)
Mestre em "Estética e Filosofia da Arte" pela UL
Doutoranda em "Estudos de Arte", na Universidade de Aveiro (UA), com a Tese «Sobre a "Origem da obra de arte! em Martin Heidegger: Os domínios da Poesia e o Canto dos Poetas»
Urge a consciencialização crescente e insistente de que a Educação – no seu sentido mais amplo, quer dizer, enquanto formação global da Humanidade – não se deve restringir à estreita concepção de escolaridade, nem tão pouco confundir-se com a mera instrução. Estas distinções conceptuais tornam-se absolutamente necessárias para erguer os fundamentos de uma reflexão séria sobre a educação filosófica e, por extensão, sobre a didáctica da Filosofia, naturalmente singular, em virtude da especificidade desta área do saber jamais redutível ao conceito de “Disciplina”, tal como vulgarmente o entendemos quando nos referimos, por exemplo, à História, à Geografia ou à Matemática.
Não obstante a questão filosoficamente controversa da existência ou não de uma Didáctica exclusiva da Filosofia – alvo de um intenso e polémico debate entre os defensores da sua legitimidade e urgência e aqueles que perspectivam, de um modo assaz suspeito, a aproximação desta, bem como do seu ensino, às denominadas Ciências da Educação – friso, desde já e sem qualquer espécie de reservas, que a Filosofia é, em si mesma, uma pedagogia e uma didáctica e, enquanto tal, o alicerce estrutural das mais variadíssimas formas que envolvam todos os processos de ensino-aprendizagem, quer nos situemos nos domínios da ciências naturais, quer no âmbito das ciências humanas.
Com os antigos gregos aprendemos – e até hoje essa tese ainda não foi refutada – que a Filosofia compreende, na sua essência, os princípios orientadores do seu peculiar exercício comunicativo, os mais sólidos alicerces das suas estratégias de ensinabilidade, as estratégias adequadas para a gestão equilibrada do processo de ensino-aprendizagem, sejam quais forem os conteúdos que a integram, tão vastos quanto ela própria, onde comungam, mais directa ou indirectamente, todas a as ciências que dela nasceram, hoje e sempre, em sangue e alma. Aliás, correria talvez melhor o mundo se as escolas de existência filosófica agissem como um fermento, fossem a guarda da pura ideia, dessem um exemplo de ascetismo, de tenacidade na calma recusa da boa posição, de alegria na pobreza de sempre desperta actividade no ataque de todas as atitudes e doutrinas que significassem diminuição do espírito, ao mesmo tempo se recusando a exercer todo o domínio que não viesse da adesão.
Se atentarmos nas sábias palavras do mestre Agostinho da Silva, também ele filósofo e filosofante, facilmente compreenderemos que o caminho da “Vida Filosófica”, o caminho do Professor de Filosofia e de todos os outros que concebem a arte de bem ensinar como uma das mais nobres missões que alguns eleitos têm a seu cargo, facilmente compreenderemos que a educação filosófica é a base estrutural de todos os processos educativos, porque indica aos outros o rumo ascensional da vida, não deixando que jamais se quebrasse o ténue fio que através de todos os labirintos a humanidade tem seguido na sua marcha para Deus.
Não tomamos a Filosofia, a educação filosófica, que a limite são o mesmo, nem como uma vagabundagem dos espíritos em estado de ócio (mesmo que este seja necessário para se fazer Filosofia), nem como um mero entretenimento literário das mentes vagantes ou como um modo de especulação esquizofrénica, completamente afastado disso a que se chama realidade, nem, muito menos, como um puro subjectivismo de mentes autistas enredadas em mundos virtuais que nada nos dizem da Vida, do Homem, da Natureza e do Universo.
É preciso registar, veementemente, que a Filosofia não cheira a mofo; que a Filosofa não está encafuada no baú apinhado de teias de aranha e de bolas de naftalina, num canto qualquer, do empoeirado sótão dos nossos avós, onde permanecem, lançados, os objectos em desuso.
A Filosofia, a educação filosófica, não é apenas uma das “Belas Artes” encantatórias perante os olhos ávidos de saber, os ouvidos sedentos de um discurso bem elaborado, sonante que paira nos domínios da meta-fíca. Mesmo também assim sendo, a Filosofia, a educação filosófica, é a Vida em todas as suas dimensões, des-veladas ou ocultas; é e está em cada um de nós, seres racionais, sempre que pensamos, ajuizamos, reflectimos ou dissertamos com Espírito Crítico, com esse prazer particular do discernimento as causas, os princípios, que por detrás dos fenómenos se escondem, seja qual for a sua estirpe ou natureza; a Filosofia é um modo peculiar de ver o mundo, de o questionar, pondo-o em dúvida, à prova, sempre com o intuito de chegar à origem, à essência, à raiz, das coisas-mesmas na sua singeleza originária, pelas quais passamos diariamente sem darmos conta da sua existência, e, sobretudo, do modo como existem e são, para além das aparências, das máscaras, dos véus, dos preconceitos que ludibriam as mentes menos atentas, baralhadas nesse frenesim quotidiano que nos esconde a Verdade e a Realidade.
Se a educação filosófica é o motor quase sistemático da problematização do óbvio e do meramente pressuposto ou passível de constatação, também é, em plena simultaneidade, o agente, em permanente activação, de um conjunto de respostas possíveis, ou até mesmo de soluções, assim nos mostra a história da Filosofia, de soluções viáveis para a resolução possível dos múltiplos problemas existenciais que a humanidade vivencia, na maioria das vezes, de uma forma alheada e alienada. Cada sistema filosófico é tão-só uma resposta logicamente organizada, que parte do homem para servir o Homem. É neste sentido que devemos entender a tese de Descartes: viver sem filosofa é
Não obstante o desenlaçar da fundamentação anterior, afigura-se-nos indubitável a necessidade de conferir ao ensino da Filosofia a Didáctica de que ela por si mesma requerer, a qual deverá ser edificada, sempre e inevitavelmente, a partir do seu próprio interior: a melhor formação pedagógica de um professor de filosofia será, e quiçá irredutivelmente, uma sólida formação filosófica. Isto não significa afirmar a absoluta diferenciação disciplinar da Filosofia, nem tão-só a sua tecnicidade. Mas, antes de mais, indica-nos que a formação de filósofos, ou se preferirmos, de ensinantes de Filosofia, deve entender-se como formação de profissionais legítimos, em oposição a qualquer tipo de amadorismo, naturalmente, repugnante.
A Filosofia afirmou-se ontem, e afirma-se hoje, cada vez mais, mesmo por entre aqueles que a negam, ou simplesmente desprezam. A educação filosófica entra, amiúde, nos domínios do necessário, porque os Filósofos, esses etrenos amantes da Sabedoria sem discriminação, jamais ignoram como os homens são feitos, embora sejam mais "ligeiros do que os anjos" e nunca experimentem a necessidade de caminhar entre os mortais bicéfalos, de mentes tão errantes como as aves migratórias, sem pousio certo, sem lugar propriamente determinado, neste Mundo em irremediável con-fusão.
Isabel Rosete
Licenciada em Filosofia pela Universidade de Lisboa (UL)
Mestre em "Estética e Filosofia da Arte" pela UL
Doutoranda em "Estudos de Arte", na Universidade de Aveiro (UA), com a Tese «Sobre a "Origem da obra de arte! em Martin Heidegger: Os domínios da Poesia e o Canto dos Poetas»
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