terça-feira, 24 de novembro de 2009

Caminhos do Ser, por Isabel Rosete

As viagens são múltiplas
Os caminhos diversos
Os do Ser e os do “não-Ser”
Os do Nada…

A metamorfose
E a mudança
Comandam o mundo.

O Ser não permanece mais
Na sua imutabilidade originária!

As sombras
As aparências
Ofuscam o olhar
Dos que querem ver
A essência
O miolo sedoso
De um pão bolorento…

A identidade perde-se.
Somos o mesmo rebanho!

Corremos na mesma direcção
E já nada identificamos com precisão!

A amalgama do mundo
Corre nas nossas veias…

Isabel Rosete

NORMOSE OU ANOMALIAS DA NORMALIDADE - DEFINIÇÃO DA NORMOSE, por Pierre Weil

«Há na maioria dos nossos contemporâneos uma crença bastante enraizada. Segundo esta, tudo o que a maioria das pessoas pensa, sente, acredita ou faz, deve ser considerado como normal e por conseguinte servir de guia para o comportamento de todo mundo e mesmo de roteiro para a educação.

Certos fatos e descobertas recentes sobre origens do sofrimento e de doenças e sobretudo sobre as guerras, a violência e a destruição ecológica estão a contestar e questionar seriamente a normalidade de certas "normas" ditadas pela sociedade através dos consensos existentes.

Está se descobrindo que muitas normas sociais atuais ou passadas, levam ou levaram ao sofrimento moral ou físico ou mesmo de indivíduos, de grupos, de coletividades inteiras ou mesmo de espécies vivas.

Vamos apenas dar um exemplo entre centenas ou milhares: o do consumo de cigarros. Ainda há alguns tempos atrás era considerado normal as pessoas fumarem. Muito mais, era considerado ofensivo e mal educado pedir a alguém para deixar de fumar na sua presença. A medida que se reforçava a certeza de que o ato de fumar era lesivo à saúde podendo criar efizema e câncer pulmonar com conseqüências eventualmente letais, o fato de fumar em si começou a ser questionado sem contar o ato de fumar em público. O resultado foi que esta norma caiu por terra, sendo reforçado em certos países pela sanção legislativa.

Resolvemos adotar o termo de "Normose", para designar esta forma de comportamento visto como normal mas que na realidade é anormal. O termo foi forjado na França por Jea Yves Leloup com o qual estamos trabalhando visando estudar o assunto mais a fundo e publicar os resultados das nossas reflexões e investigações. A presente série de artigos constitui um primeiro resumo de artigos já publicados e do estado atual das nossas reflexões. Vamos em primeiro lugar definir de maneira precisa e clara o termo de Normose. Assim, além da Psicose e da Neurose o vocabulário psicopatológico foi enriquecido com a palavra normose.


1. O QUE É UMA "NORMOSE"?

Consideramos como Normose o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela maioria de uma determinada população e que levam à sofrimentos, doenças ou mortes, em outras palavras, que são patogênicas ou letais, e são executados sem que os seus atores tenham consciência desta natureza patológica, isto é, são de natureza inconsciente.

Assim sendo para considerar um comportamento como normático, este tem que ser:
Inconsciente quanto à sua natureza patogênica.
Haver um consenso em torno da sua normalidade.
Ser patogênico ou letal.

Chegou agora o momento de descrevermos as diferentes e inúmeras espécies de normoses que encontramos nas nossas investigações. E o que será objeto da próxima parte de explanação.


2. CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS NORMOSES

O número de normoses é muito grande. Cada dia que passa descobrimos uma ou várias delas em áreas as mais inesperadas. Uma vez que assimilamos o conceito e só seu alcance se torna impossível de não ver. Muito mais; tudo se passa como se antes desta descoberta a gente tivesse sido cego. O próprio conceito se comporta como um poderoso revelador facilitando a tomada de consciência de aspectos essenciais à preservação da nossa saúde e à nossa existência.

Podemos distinguir duas grandes categorias de normoses: as normoses gerais e as normoses específicas.
As normoses gerais são as que possuem um consenso comum a praticamente toda a humanidade. E o caso por exemplo da aceitação do cigarro ou da fantasia da separatividade da qual iremos tratar daqui a pouco.
As normoses específicas tem o seu consenso restrito a determinada nação, população, grupo social ou cultural. Podemos dar como exemplo a prática do duelo entre os homens de classe nobre da Europa até o início deste século ou ainda o uso de assentos que deformam aos poucos a coluna vertebral dos passageiros da classe de motoristas.

Inúmeras outras categoria podem ser criadas em função de diversos parâmetros. Assim sendo, dentro da categoria das normoses específicas podem ser criadas inúmeras outras categorias ou subgrupos, segundo por exemplo o tipo de patologia ou de morte a que leva a normose ou ainda ao consumo de determinados produtos ou alimentos. Podemos assim falar de normoses cancerígenas, quer dizer, as que levam à patologia cancerosa. Usamos também a categoria de "normose de consumo" que inclui os inúmeros objetos e serviços prestados e que se revelam patogênicos ou letais. O objetivo do presente trabalho, sendo apenas para sensibilizar o leitor à existência da normose vamos nos limitar em dar alguns exemplos de cada uma das duas grandes categorias que acabamos de definir.


3. NORMOSES GERAIS

Vamos começar dando um exemplo de normose geral. A considerarmos como sendo a mais perversa de todas as normoses. Antes de conhecer o conceito de normose escrevemos um livro inteiro sobre ela sob o título: A neurose do Paraíso Perdido. Esta Neurose começa com uma verdadeira Normose, a qual intitulamos de "Fantasia da Separatividade". Trata-se de uma ilusão, de uma miragem, que consiste em nos perceber como separados do mundo exterior, como se não tivéssemos nenhuma relação com este. As conseqüências desta ilusão são o desenvolvimento de emoções destrutivas tais como o apego a tudo que nos dá prazer neste mundo exterior e a rejeição e raiva contra tudo que nos ameaça de dor e sofrimento. São estas as maiores causas de tensão e stress o qual leva à doenças, a sofrimentos os quais reforçam ainda mais a fantasia da separatividade. As pessoas entram assim num círculo vicioso em que repetem compulsivamente o mesmo comportamento.

Outro exemplo de normose geral que atinge toda a humanidade é a de considerar como normal o uso das guerras para resolver conflitos e desavenças entre nações. Existe até um conceito jurídico de "guerra justa" que sanciona esta normose bellígena.

Esta última normose é ainda reforçada por outra normose que faz com que os povos acreditem piamente serem proprietárias da terra que ocupam, levando demasiadamente a sério as fronteiras e os limites territoriais. Esquecem que todas as fronteiras que nascem os conflitos violentos, que seja fronteiras territoriais, ideológicas, epistemológicas, políticas ou religiosas.

O próprio sentimento de propriedade é também produto de uma normose geral. Podemos em última instância considerar-mos como proprietários de objetos que todos são constituídos de materiais provindo da terra? Somos proprietários da Terra?

Uma das causas essenciais da destruição ecológica é a normose de posse da Terra. Até muito recentemente a humanidade inteira se conduzia como se fosse proprietária da Terra, achando que podia explorá-la indefinidamente. Aliás a crença de que os recursos naturais são inesgotáveis também é uma normose geral em plena regressão.

Mais uma causa fundamental de destruição da vida no nosso Planeta é a Normose Consumista já conhecida sob o termo de Consumismo. É ela que deu ensejo ao aparecimento do novo conceito econômico de Desenvolvimento Sustentável ou melhor ainda Viável. A Normose consumista transforma a população do mundo num verdadeiro formigueiro destrutivo da vida no Planeta.


4. NORMOSES ESPECÍFICAS.

No domínio da alimentação encontramos inúmeros tipos de normoses, as quais podemos agrupar sob o termo de "Normoses Alimentares". um exemplo clássico e histórico encontramos na China quando da introdução pelos ingleses das indústrias de refinação do arroz. Começou a aparecer o Beribéri que não se manifestava entre os consumidores de arroz integral.

Nesta categoria podemos colocar todos os alimentos industrializados cancerígenos tais como os corantes alimentares e as conservas enlatadas. O consumo de açúcar refinado é uma das causas de cáries dentárias nas crianças que comem muitas balas. Uma normose específica refere-se a certos países produtores de café os quais produzem uma dependência e este produto gerando cardiopatias e excitação nervosa. Aliás nesta categoria alimentar podemos colocar todos os alimentos que praticamente todo mundo consome mas que são patogênicos. Vamos seguir alguns a título de exemplo:

Batata frita (Colesterol), Doces (Diabetes), Excesso de Sal (Hipertensão), Refrigerantes (Obesidade). Ainda dentro da categoria de normoses alimentares, convêm lembrar o consumo de álcool sob todas as suas formas de vinho, cerveja, licor, whisky, cachaça etc.... Esta normose é reforçada por inúmeros rituais: Antes da refeição tem o aperitivo, durante tem vinhos variados associados especificamente com certos tipos de pratos, depois tem o licor com café, sem contar celebrações diversas regadas com Champanhe ou fartura de cerveja. Ao longo do tempo se instalam o alcoolismo com as suas nefastas conseqüências íntimas, familiares e sociais, sem contar a cirrose hepática, o "delírium tremens" e a morte, para os que não conseguiram se moderar.

Hiper consumo de carnes, mereceria uma referência especial já que um relatório das Nações Unidas recomenda a alimentação vegetariana já que só uma diminuição de dez por cento do consumo de carne, só nos USA, permitiria com a economia realizada, alimentar em grãos toda a população faminta do Planeta. Outra Normose provindo do consumo é a do uso de carros. Embora se saiba que a poluição provocada pelo consumo de gasolina ameace a vida dos cidadãos duas vezes: através da impureza do ar e da radiação provocada pelos buracos da câmara de ozônio, a produção aumenta.

As normoses ligadas ao consumo são reforçadas pela pressão das mídias através da publicidade e da propaganda. No caso do cidadão comum há uma crença baseada em princípios democráticos de que caberia um carro para cada cidadão do mundo, o que nas condições atuais seria um verdadeiro suicídio coletivo.

Existem muitos outros tipos de normoses específicas que merecem estudos especiais. Por exemplo no domínio da ciência há uma normose materialista e mecanicista que dita comportamentos e decisões perigosas para a vida no Planeta devido a sua ligação com paradigmas ultrapassados. O mesmo acontece no campo da Medicina dominada por uma visão própria da normose da Ciência em geral. Existe uma normose comum à maioria das religiões que consiste em acreditar na sua própria superioridade sobre as demais o que leva a conflitos e mesmo a guerra. Outra normose religiosa que sustenta os fanatismos é a que consiste em se ater ao pé da letra dos textos sagrados esquecendo o espírito e a época em que forma redigidos assim como os seus aspectos de mensagens simbólicas. A descrença cientista atual em relação à existência de dimensões parapsicológicas e Transpessoal da realidade pode também ser considerado como normose levando a um credo cientista ocidental.

No domínio das relações amorosas, existe uma normose bastante destruidora do amor verdadeiro; é a normose sexual que leva milhões de seres humanos a confundir amor com sensualidade, limitando as suas relações com o outro sexo aos seus aspectos puramente genitais.

Vamos citar ainda como último exemplo uma normose educacional que podemos chamar de normose racionalista que decorre de uma deformação da Ciência no sentido do antigo paradigma racionalista newtoniano-cartesiano o qual só aceita a lógica racional e os cinco sentidos como meios de conhecer a verdade. A Educação copiou este modelo reprimindo os seus aspectos intuitivo e sentimental.

Poderíamos multiplicar os exemplos. Mas o espaço que resolvemos consagrar ao presente artigo o impede. na próxima e última parte deste trabalho vamos examinar como se procede a dissolução de uma normose estabelecendo proposições para uma Normoterapia.


5. PROPOSIÇÕES PARA UMA NORMOTERAPIA

Vamos retornar o exemplo de uma normose em franco declínio, pois isto nos permite observar como está se efetuando a normoterapia, quer dizer a dissolução da normose. Vamos retornar o exemplo da normose do fumo.

Esta normose na sua origem era específica de tribos indígenas. Se tornou uma normose geral com a conquista das Américas pelos brancos.

Numa primeira fase da normoterapia, começou a divulgação dos efeitos patogênicos e mesmo mortais do uso do cigarro. As mídias contribuíram muito, de maneira espontânea na divulgação das descobertas médicas. Estamos aqui na fase social do processo. O público e a própria imprensa começou a fazer pressão para tomar medidas legislativas. O público e a própria imprensa começou a fazer pressão para tomar medidas legislativas. O Congresso Nacional votou uma lei obrigando toda divulgação de cigarro a ser acompanhada da expressão "O ministério da Saúde adverte: O cigarro faz mal a saúde". Mas as medidas em níveis sociais não formam suficientes, apesar dos inúmeros debates pela TV reforçados por conferências médicas. Esta primeira fase de Socioterapia teve que ser reforçada por medidas no plano individual.

Com efeito no plano individual a normose se manifesta por uma neurose de dependência ao cigarro. A Socioterapia foi indispensável acrescentar a psicoterapia nas suas modalidades diversas, individuais e de grupo. Verificou-se que o próprio uso do cigarro era um modo de aliviar tensões de ordem neurótica sem contar a sua gênese que se encontra muitas vezes numa identificação com a figura masculina no caso dos meninos e numa afirmação masculina na concorrência do movimento feminista.

Isto nos coloca em contato com a relação da normose com a neurose. Tudo indica que a normose se instala na formação do superego e por identificação à ou às figuras parentais portadoras dos componentes normóticos.

A experiência do cigarro nos mostra por conseguinte que a fase socioterápica no plano social precisa ser reforçada no plano individual por medidas psicoterapeuticas. E quando fala em terapia, torna implícitos os aspectos educacionais. Isto é bastante evidente na normoterapia ecológica em franco andamento. A normoterapia tem que entrar nas escolas, nas mídias e nos departamentos de recurso humanos (outra palavra de origem normótica...).

Assim sendo a normoterapia se faz em dois níveis distintos porém correlatos.

Primeiro, no nível social podem e ou devem ser acionadas as seguintes medidas:


Pesquisa dos efeitos patogênicos e letais
Divulgação dos resultados em público pelos órgãos científicos e pelas mídias entre outros.
Ação das associações de consumidores, sindicatos e entidades de classes, fundações e outros órgãos da sociedade civil.
Pressão destes órgãos sobre o Legislativo visando elaboração e votação de leis adequadas e sobre as autoridades policiais se for julgado conveniente.
Divulgação das leis por todos os meios, visando a sua devida aplicação.
Sociodramas, dinâmica de grupo e laboratórios de sensibilização em todos os grupos ou coletividade onde for julgado conveniente inclusive desenvolvimento organizacional holístico.
Segundo, no nível individual temos que pensar em termos educacionais e terapêuticos:

Programas específicos de educação nas escolas, pelas mídias e empresas.
Psicoterapia individual e de grupo. Aqui são incluídas conforme o caso, as centenas de modalidades existentes. Convêm os psicoterapeutas terem formação ou informação sobre o assunto para ficarem atentos quando aparecem sinais de normose.
Programas educacionais para os pais e as famílias.
Com estas medidas de Normoterapia, estaremos contribuindo para uma mudança cultural indispensável no plano mundial. Temos um exemplo desta possibilidade na UNESCO cujo Diretor Geral, Frederico Maior, desencadeou um movimento mundial de transformação da Cultura de Violência em que está mergulhado o mundo, em Cultura de Paz. Por detrás desta sugestão se encontra uma verdadeira normoterapia em escala planetária.»

Pierre Weil
In, «A arte de Viver em Paz»

Isabel Rosete - pesquisa e divulgação

Da Educação Filosófica - I, por Isabel Rosete

"Não seria mau que se tornassem a mostrar as almas e que a filosofia deixasse de ser apenas uma disciplina ensinável para voltar a constituir um engrandecimento e uma razão de vida."

Movendo-nos, ainda, no seio dos múltiplos desafios colocados nas últimas três décadas do passado milénio e na crista de tempos de imperativa mudança e inovação educacional, é inevitável caminharmos para uma educação aberta, para além dos disparates legislativos que diariamente assombram a mente dos profissionais da Educação, sem freios políticos ou demagógicos apenas veiculados pelo suposto rigor estatístico de um sucesso escolar fantasiado, quer no que concerne aos conteúdos programáticos, objectivos e métodos, quer no que diz respeito à diversificação dos agentes e práticas das educativas.
Urge a consciencialização crescente e insistente de que a Educação – no seu sentido mais amplo, quer dizer, enquanto formação global da Humanidade – não se deve restringir à estreita concepção de escolaridade, nem tão pouco confundir-se com a mera instrução. Estas distinções conceptuais tornam-se absolutamente necessárias para erguer os fundamentos de uma reflexão séria sobre a educação filosófica e, por extensão, sobre a didáctica da Filosofia, naturalmente singular, em virtude da especificidade desta área do saber jamais redutível ao conceito de “Disciplina”, tal como vulgarmente o entendemos quando nos referimos, por exemplo, à História, à Geografia ou à Matemática.
Não obstante a questão filosoficamente controversa da existência ou não de uma Didáctica exclusiva da Filosofia – alvo de um intenso e polémico debate entre os defensores da sua legitimidade e urgência e aqueles que perspectivam, de um modo assaz suspeito, a aproximação desta, bem como do seu ensino, às denominadas Ciências da Educação – friso, desde já e sem qualquer espécie de reservas, que a Filosofia é, em si mesma, uma pedagogia e uma didáctica e, enquanto tal, o alicerce estrutural das mais variadíssimas formas que envolvam todos os processos de ensino-aprendizagem, quer nos situemos nos domínios da ciências naturais, quer no âmbito das ciências humanas.
Com os antigos gregos aprendemos – e até hoje essa tese ainda não foi refutada – que a Filosofia compreende, na sua essência, os princípios orientadores do seu peculiar exercício comunicativo, os mais sólidos alicerces das suas estratégias de ensinabilidade, as estratégias adequadas para a gestão equilibrada do processo de ensino-aprendizagem, sejam quais forem os conteúdos que a integram, tão vastos quanto ela própria, onde comungam, mais directa ou indirectamente, todas a as ciências que dela nasceram, hoje e sempre, em sangue e alma. Aliás, correria talvez melhor o mundo se as escolas de existência filosófica agissem como um fermento, fossem a guarda da pura ideia, dessem um exemplo de ascetismo, de tenacidade na calma recusa da boa posição, de alegria na pobreza de sempre desperta actividade no ataque de todas as atitudes e doutrinas que significassem diminuição do espírito, ao mesmo tempo se recusando a exercer todo o domínio que não viesse da adesão.
Se atentarmos nas sábias palavras do mestre Agostinho da Silva, também ele filósofo e filosofante, facilmente compreenderemos que o caminho da “Vida Filosófica”, o caminho do Professor de Filosofia e de todos os outros que concebem a arte de bem ensinar como uma das mais nobres missões que alguns eleitos têm a seu cargo, facilmente compreenderemos que a educação filosófica é a base estrutural de todos os processos educativos, porque indica aos outros o rumo ascensional da vida, não deixando que jamais se quebrasse o ténue fio que através de todos os labirintos a humanidade tem seguido na sua marcha para Deus.
Não tomamos a Filosofia, a educação filosófica, que a limite são o mesmo, nem como uma vagabundagem dos espíritos em estado de ócio (mesmo que este seja necessário para se fazer Filosofia), nem como um mero entretenimento literário das mentes vagantes ou como um modo de especulação esquizofrénica, completamente afastado disso a que se chama realidade, nem, muito menos, como um puro subjectivismo de mentes autistas enredadas em mundos virtuais que nada nos dizem da Vida, do Homem, da Natureza e do Universo.
É preciso registar, veementemente, que a Filosofia não cheira a mofo; que a Filosofa não está encafuada no baú apinhado de teias de aranha e de bolas de naftalina, num canto qualquer, do empoeirado sótão dos nossos avós, onde permanecem, lançados, os objectos em desuso.
A Filosofia, a educação filosófica, não é apenas uma das “Belas Artes” encantatórias perante os olhos ávidos de saber, os ouvidos sedentos de um discurso bem elaborado, sonante que paira nos domínios da meta-fíca. Mesmo também assim sendo, a Filosofia, a educação filosófica, é a Vida em todas as suas dimensões, des-veladas ou ocultas; é e está em cada um de nós, seres racionais, sempre que pensamos, ajuizamos, reflectimos ou dissertamos com Espírito Crítico, com esse prazer particular do discernimento as causas, os princípios, que por detrás dos fenómenos se escondem, seja qual for a sua estirpe ou natureza; a Filosofia é um modo peculiar de ver o mundo, de o questionar, pondo-o em dúvida, à prova, sempre com o intuito de chegar à origem, à essência, à raiz, das coisas-mesmas na sua singeleza originária, pelas quais passamos diariamente sem darmos conta da sua existência, e, sobretudo, do modo como existem e são, para além das aparências, das máscaras, dos véus, dos preconceitos que ludibriam as mentes menos atentas, baralhadas nesse frenesim quotidiano que nos esconde a Verdade e a Realidade.
Se a educação filosófica é o motor quase sistemático da problematização do óbvio e do meramente pressuposto ou passível de constatação, também é, em plena simultaneidade, o agente, em permanente activação, de um conjunto de respostas possíveis, ou até mesmo de soluções, assim nos mostra a história da Filosofia, de soluções viáveis para a resolução possível dos múltiplos problemas existenciais que a humanidade vivencia, na maioria das vezes, de uma forma alheada e alienada. Cada sistema filosófico é tão-só uma resposta logicamente organizada, que parte do homem para servir o Homem. É neste sentido que devemos entender a tese de Descartes: viver sem filosofa é
Não obstante o desenlaçar da fundamentação anterior, afigura-se-nos indubitável a necessidade de conferir ao ensino da Filosofia a Didáctica de que ela por si mesma requerer, a qual deverá ser edificada, sempre e inevitavelmente, a partir do seu próprio interior: a melhor formação pedagógica de um professor de filosofia será, e quiçá irredutivelmente, uma sólida formação filosófica. Isto não significa afirmar a absoluta diferenciação disciplinar da Filosofia, nem tão-só a sua tecnicidade. Mas, antes de mais, indica-nos que a formação de filósofos, ou se preferirmos, de ensinantes de Filosofia, deve entender-se como formação de profissionais legítimos, em oposição a qualquer tipo de amadorismo, naturalmente, repugnante.
A Filosofia afirmou-se ontem, e afirma-se hoje, cada vez mais, mesmo por entre aqueles que a negam, ou simplesmente desprezam. A educação filosófica entra, amiúde, nos domínios do necessário, porque os Filósofos, esses etrenos amantes da Sabedoria sem discriminação, jamais ignoram como os homens são feitos, embora sejam mais "ligeiros do que os anjos" e nunca experimentem a necessidade de caminhar entre os mortais bicéfalos, de mentes tão errantes como as aves migratórias, sem pousio certo, sem lugar propriamente determinado, neste Mundo em irremediável con-fusão.

Isabel Rosete

Da Educação Filosófica – Parte II, por Isabel Rosete

Da Educação Filosófica – Parte II

Independentemente de aderirmos ou não à questão que indaga sobre a problemática da existência de uma didáctica específica para a disciplina de Filosofia no Ensino Secundário, não concebo esta área de abordagem senão enquanto fundamentada no âmbito da Filosofia da Educação, quer dizer, no espaço de emergência da reflexão de uma concepção de educação, de ensino e de aprendizagem, de aluno e de professor, enquadrada no âmbito geral de uma concepção globaliza de Sociedade e de Humanidade.
É preciso criar uma cultura nova que veja a própria escola como o seu produto e produtor directo. Só uma interacção deste tipo poderá ser frutífera face às ambições do mundo actual, cujo motor de desenvolvimento se centra, cada vez mais, no tipo e nível de educação a ministrar aos seus membros.
O que se pretende, então? Dar aos espíritos (dos aprendizes de filósofo que, em última instância, somos todos nós), a capacidade de um contínuo desenvolvimento, de molde a aperfeiçoar a sociedade em que vivemos na sua Humanitas. Estes dois objectivos reduzem-se, afinal, à mesma ideia: “porque desenvolver os indivíduos é aperfeiçoar a sociedade, e porque do carácter da sociedade depende, por sua vez, o desenvolvimento dos indivíduos", como afirma António Sérgio, nos seus Ensaios I[1].
A educação, todos o sabemos, começa na família, passa pela escola, embora não termine neste domínio institucional, mas no meio sócio-cultural em que o aluno se circunscreve, num continuum processo de socialização.
Faço, por isso, a apologia de uma noção progressiva de educação, fundada na ideia de uma estreita conformidade entre as capacidades intelectuais do aluno e os ensinamentos ministrados, de modo a evitar o obscurecimento da ordem natural do educando, cuja estrutura intelectual deve ser devida e dignamente respeitada, ao mesmo tempo que salvaguardada em todo o seu processo evolutivo. Esta ideia permite-nos ultrapassar a concepção estática da educação, em defesa de uma perspectiva educativa que prima pela dinamicidade, pelo contínuo porque, antes de mais, o saber é algo que se vai construindo ou per-fazendo ao longo da existência de cada ser humano, e não uma instância que esteja pautada por uma rigidez absoluta, apriorística e definitivamente elaborada: aprender é inventar ou reconstruir por invenção.
Como sublinha Kant – filósofo que muito prezo no que concerne a assuntos desta natureza – o aluno não deve "aprender pensamentos, mas aprender a pensar; não se deve levá-lo, mas guiá-lo, se se pretende que no futuro seja capaz de caminhar por si mesmo (...). É uma maneira de ensinar deste tipo que exige a natureza peculiar da filosofia. O adolescente que saiu da instrução escolar estava habituado a aprender. Agora, ele pensa que vai aprender Filosofia, o que é, porém, impossível, porque agora ele tem de aprender a filosofar”.[2]
Para se aprender Filosofia, considera ainda Kant, era necessário que existisse realmente uma, concebida à maneira de uma disciplina acabada, perante a qual pudéssemos dizer: eis aqui a Filosofia; aqui está a sabedoria e o critério seguro para a sua cabal aprendizagem.
Não obstante a legitimidade da polémica questão kantiana – assim compreendida mediante as características da sua época, e obviamente defensável mediante um certo ponto de vista, que não nos cabe agora discutir – afirmo, sem reservas, a possibilidade inegável do ensino da Filosofia, pelo menos enquanto postura existencial perante o Mundo, enquanto uma forma específica de mundivisão.
Cada filósofo estudado, que serve de base ou de ponto de partida para tal ensinabilidade, embora jamais deva ser considerado como modelo absoluto de um qualquer juízo emerge, no entanto, como uma das grandes oportunidades para cada qual – professor e aluno – pronunciar um juízo sobre ele, ou até mesmo contra ele, ao mesmo tempo que proporciona, pelo método de reflectir por si mesmo, o despoletar de um pensar que é capaz de produzir autonomamente uma certa interpretação indicadora do caminho a seguir enquanto “ser-lançado” no Mundo.
Nesta perspectiva, a Filosofia, enquanto disciplina integradora do curriculum do Ensino Secundário, surgiria como um domínio essencialmente reflexivo, como uma espécie de "higiene mental", que permitiria ajudar os alunos a situarem-se no espaço e no tempo que são efectivamente os seus.
A educação filosófica torna-se um processo de auto-construção-guiada, reservando-se para o pedagogo o papel de orientador, de formador ou "modelador" de uma matéria, que não obstante todos os germens potenciais que intrinsecamente a compõem, ainda se encontra de certo modo desenformada.
O professor de Filosofia não pode ser mais o simples conferenciador; não pode mais contentar-se em debitar soluções previamente resolvidas, devendo situar-se, ao invés, num espaço de abertura e de flexibilidade que o direccionem ao concretamente vivido. Deve mover-se numa esfera que alargue o restrito espaço da sala de aula não só à comunidade, mas ao Mundo, pois o alargamento das fronteiras da escola exige um correspondente alargamento das fronteiras do professor e da sua metodologia de ensino.
Esta mudança não é apenas o resultado calculável ou previsível do novo conceito de escola que agora se impõe – a escola-comunidade-educativa –, mas quiçá o resultado mais imediato das exigências que o actual corpo discente coloca imperativamente a cada instante, jamais de olhos vendados perante o “magistral” e irrepreensível saber do professor. Os alunos de hoje, contrariamente aos alunos de ontem, dispõem, sem qualquer espécie de freios, de meios de informação que lhe oferecem gratuitamente, de um modo fácil e diversificado, o conhecimento.
O aluno de hoje jamais poderá ser encarado como um escravo do mestre, como aquele que se limita a escutar e a repetir as "verdades" proferidas por este. Muito pelo contrário: deverá ser convidado a substituir a postura passiva em que geralmente era colocado pelo "ensino tradicional", por uma participação activa e criativa, que fará dele um elemento realmente interveniente no processo de ensino-aprendizagem, pelo exercício pleno da sua liberdade e responsabilização correspondente.
A educação não pressupõe, propriamente falando, a introdução de algo novo, mas o fazer desabrochar do já existente. Esta ideia aproxima-nos, em grande medida, da metodologia socrática – relativamente à qual manifesto também a minha preferência, em virtude da sua pragmaticidade – por oposição aos tradicionais métodos "caquécticos" que introduzem a mecanização nas jovens mentes em formação.
Como o que interessa desenvolver no aluno é a razão prática reflexionante, e não a razão meramente especulativa, e como verificamos que cada indivíduo aprende, ou seja, retém mais facilmente e de um modo mais sólido o "manancial teórico" que extrai de si próprio, deveremos proceder socraticamente na educação da razão.
Sócrates, que se nomeia "parteiro" dos conhecimentos dos seus interlocutores, por ajudar a "dar à luz" os conhecimentos que latentemente se encontram nas suas almas adormecidas, hoje cada vez mais proliferantes, dá-nos vários exemplos do modo como podemos conduzir os alunos a extrair muitas coisas do seu próprio intelecto.
Trata-se de um método investigativo, progressivo e não dogmático, naturalmente estimulador da capacidade intelectual dos alunos, da sua actividade e espontaneidade, através do qual são chamados a reinventar a verdade que é necessário assimilar.
Na aula de Filosofia não há modelos a seguir, mas pistas indicadoras que se destinam a promover uma busca contínua, sobre as quais é susceptível exercerem-se juízos pessoais que não obedecem, necessariamente, aos cânones estabelecidos pela exterioridade. O professor de filosofia deve entender a educação, de que é um condutor privilegiado, como um processo interior progressivamente realizado mediante as potencialidades que comandam a ordem natural do educando.
A educação visada pela Filosofia deverá encontrar na natureza a sua justificação e razão de ser: a educação consuma aquilo que a natureza deu ao homem como gérmen e possibilidade; é o cumprimento supremo e aperfeiçoado da natureza. É precisamente neste sentido que devemos interpretar a tese que afirma "que o homem só se pode tornar homem peia educação", pois "ele não é senão o que a educação faz por ele”[3]. Urge, pois, trabalhar no plano de uma educação conforme aos princípios humanos, legando à posteridade as instituições fundamentais que permitirão a sua realização plena.
Não deveremos encarar esta ideia como quimérica ou simplesmente rejeitá-Ia por a considerarmos como um belo sonho minado pela utopicidade de um ideal meramente inalcançável, mesmo se encontrarmos obstáculos que se oponham à sua consumação, pois uma ideia não é senão o conceito de uma perfeição que não está ainda concretizada na experiência.
A ideia da existência de uma educação que desenvolva plenamente todas as disposições naturais do homem é certamente verídica, e a humanidade presente e futura deve canalizar todos os esforços para levar a cabo este brilhante e necessário ideal.
A educação deve compreender o indivíduo no seio do progresso geral da humanidade, de modo a fazer dele um homem do futuro, um elemento intrinsecamente pertencente ao conjunto de gerações que ocuparão o palco da História vindoura: é em vista do futuro, em vista do progresso parcial que cada indivíduo pode representar, que devemos educar os nossos alunos. O futuro será sempre certamente o critério de todas as nossas aspirações educacionais.
A educação, tal como a filosofia da história, descobre um outro tempo, uma outra temporalidade. Não é em função do passado que se constrói o presente, mas sim em função do futuro. A escola dever-se-á fundar sobre a ideia de humanidade e da sua destinação total, concretizada pela visão de um futuro possível e melhor, pois o tempo da educação não é o tempo do ser mas o tempo do dever-ser; o seu fundamento originário é a fé no futuro, como princípio e norma orientadora do presente.
Caberá à educação do futuro concretizar o ideal da Aufklärung (Iluminismo), para o qual nos devemos direccionar desde já, que consiste em extirpar o homem da menoridade de que é culpado, quer dizer, da "incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem", e despertá-lo para a maioridade, para a conquista da sua própria autonomia e liberdade, para a libertação da razão que se pretende que seja devidamente esclarecida[4]. Eis os grandes objectivos a concretizar na aula de Filosofia.

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[1] António Sérgio, Ensaios, Tomo VII, p. 225.
[2] Kant, Informação Acerca da Orientação dos seus Cursos no Semestre do Inverno de 1765 – 1766, in Filosofia, Publicação Periódica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, Vol. 11 - N° 1/2 – Primavera/88.
[3] Kant, Reflexões sobre a Educação, p.73.
[4] Kant, Resposta à Pergunta: O que é o Iluminismo?, in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, pp. 11-19.

Isabel Rosete

"Como construir um Portugal mais solidário e com mais valores sociais e éticos", por António Valentim

«Para se construir um futuro melhor é necessário que as entidades competentes se debrucem seriamente sobre como lidar com as crianças e com os jovens de uma outra forma. Grande parte dos conflitos existentes, uns mais graves do que outros, têm a sua raiz na forma inapropriada com que se educa psicologicamente as crianças.
Os pais, na sua maioria, têm dificuldade em lidar com os filhos da forma adequada. Cada um educa-os a seu modo. Como é que se lhes deve dar atenção, como valorizá-los, como apreciá-los? Como se ajuda a serem mais autónomos e responsáveis consoante o nível de maturação? Como estabelecer limites? Como os apoiar nas emoções e nos sentimentos? Como os ajudar a sentirem-se confiantes, competentes e humanos e não apenas a serem futuros adultos, mas imaturos? Tudo isto sem querer focar qualquer perturbação psíquica.
Actualmente, todas estas perguntas têm resposta. Se estas necessidades forem aplicadas ao longo do desenvolvimento da criança/jovem ter-se-ão adultos com competência para assumir as funções, cargos, que lhes forem designados e não, como se vê, muita das vezes, indivíduos bem falantes, colocados em postos para os quais não têm, ou não desenvolvem, competências adequadas, pensando apenas em servir os seus interesses pessoais ou os dos seus clãs.
É muito mais fácil lidar com as crianças/jovens tendo em conta estes temas do que tentar, mais tarde, corrigir adultos com leis, castigos, recompensas, palavras bonitas, falsas esperanças e terapias. Não bloqueiem as crianças e os jovens! Deixem que se desenvolvam para aquilo que nasceram - Seres Humanos com valores sociais e morais! E, não humanos crescidos fisicamente mas com todo o tipo de imaturidade psicológica.
Numa recente entrevista realizada na RTP, o neurologista António Damásio afirmou que os sentimentos que participam na construção de sistemas morais, como por exemplo, a admiração e a compaixão não são exclusivamente inerentes ao ser humano, tendo uma base fisiológica e biológica, e não, como se pensava, que eram transmitidos apenas pela via social e cultural. Não é isto digno de reflexão?
Os governantes têm que ser responsáveis pelas funções que desempenham, da mesma forma que o médico tem de ser médico mesmo, assim como o juiz, o professor … tudo o resto é secundário. Um indivíduo que se desenvolveu de uma forma minimamente equilibrada tem muito menos dificuldade em aplicar esta maneira responsável de actuar! Torna-se num indivíduo capaz de aplicar os valores humanos sócio/éticos e não os manipular para seu proveito próprio.»

António Valentim
Psicólogo Clínico
In, "Encarregados de Educação, Necessidades Psicológicas"

Isabel Rosete - pesquisa e divulgação

MOVIMENTO MIL: Declaração de Princípios e Objectivos

O presente texto condensa e concretiza as propostas do Manifesto da Revista “Nova Águia” (novaaguia.blogspot.com) , órgão do M. I. L. Aqui se apresenta um ponto de partida, objecto de consenso entre os promotores do Movimento, destinado a ser aperfeiçoado mediante todas as críticas e sugestões, que solicitamos e agradecemos.

Ao apresentá-lo, fazemos nossas as palavras de Agostinho da Silva, cidadão luso-brasileiro cujo pensamento inspira o M. I. L., na proposta de reorganização de Portugal e do mundo lusófono que redigiu em 1974: “A comunidade a que o propomos é o Povo não realizado que actualmente habita Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou exilado, da Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália” – “Proposição”, in Dispersos, Lisboa, ICALP, 1989, p. 617.

1 – O Movimento Internacional Lusófono é um movimento cultural e cívico que visa mobilizar a sociedade civil para repensar e debater amplamente o sentido e o destino de Portugal e da Comunidade Lusófona.

2 - As nações e os 240 milhões de falantes da Língua Portuguesa em todo o mundo constituem uma comunidade histórico-cultural com uma identidade, vocação e potencialidade singular, a de estabelecer pontes, mediações e diálogos entre os diferentes povos, culturas, civilizações e religiões, promovendo uma cultura da paz, da compreensão, da fraternidade e do universalismo à escala planetária.

3 – Os valores essenciais da cultura lusófona constituem, junto com os valores essenciais de outras culturas, uma alternativa viável à crise do actual ciclo de civilização economicista e tecnocrático, contribuindo, com o seu humanismo universalista e sentido cósmico da vida, para uma urgente mutação da consciência e do comportamento, que torne possível uma outra globalização, a do desenvolvimento das superiores possibilidades humanas e da harmonia ecológica, possibilitando a utilização positiva dos actuais recursos materiais e científico-tecnológicos.

4 – As pátrias e os cidadãos lusófonos devem cultivar esta consciência da sua vocação, aproximar-se e assumir-se como uma comunidade fraterna, uma frátria, aberta a todo o mundo. A comunidade lusófona deve assumir-se como uma comunidade alternativa mundial – uma pátria-mátria-frátria do espírito, a “ideia a difundir pelo mundo” de que falou Agostinho da Silva – que veicule ideias, valores e práticas tão universais e benéficas que todos os cidadãos do mundo nelas se possam reconhecer, independentemente das suas nacionalidades, línguas, culturas, religiões e ideologias. A comunidade lusófona deve assumir-se sempre na primeira linha da expansão da consciência, da luta por uma sociedade mais justa, da defesa dos valores humanos fundamentais e das causas humanitárias, da sensibilização da comunidade internacional para todas as formas de violação dos direitos humanos e dos seres vivos e do apoio concreto a todas as populações em dificuldades. Para que isso seja possível, cada nação lusófona deve começar por ser exemplo desses valores.

5 – A vocação histórico-cultural da comunidade lusófona terá expressão natural na União Lusófona, a qual, pelo aprofundamento das potencialidades da actual Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, constituirá uma força alternativa mundial, a nível cultural, social, político e económico. Sem afectar a soberania dos estados e regiões nela incluídos, mas antes reforçando-a, a União Lusófona será um espaço privilegiado de interacção e solidariedade entre eles que potenciará também a afirmação de cada um nas respectivas áreas de influência e no mundo. Ou seja, no contexto da União Lusófona, a Galiza e Portugal aumentarão a sua influência ibérica e europeia, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné, Angola e Moçambique, a sua influência africana, o Brasil a sua influência no continente americano e Timor a sua influência asiática, sendo ao mesmo tempo acrescida a presença de cada um nas áreas de influência dos demais e no mundo. Sem esquecer Goa, Damão, Diu, Macau, todos os lugares onde se fale Português e onde a nossa diáspora esteja presente, os quais, embora integrados noutros estados, serão núcleos de irradiação cultural da União Lusófona.

6 - No que respeita a Portugal e à Galiza, este projecto será assumido em simultâneo com o estreitamento de relações culturais com as comunidades autónomas de Espanha, promovendo aí a cultura galaico-portuguesa e contrabalançar a influência espanhola em Portugal. O mesmo deve acontecer entre o Brasil e os países da América do Sul. Galiza, Portugal e Brasil, bem como as demais nações de língua portuguesa, devem afirmar sem complexos os valores lusófonos nas suas respectivas áreas de influência.

7 – A construção da União Lusófona, com os seus valores próprios, exige sociedades mais conscientes, livres e justas nos estados e regiões lusófonos. Em cada um desses estados e regiões, cabe às secções locais do Movimento Internacional Lusófono, dentro destes princípios essenciais e em coordenação com as dos restantes estados e regiões, apresentar e divulgar propostas concretas, adequadas a cada situação particular, pelos meios de intervenção cultural, social, cívica e política que forem mais oportunos.

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No que respeita a Portugal, a secção portuguesa do Movimento Internacional Lusófono considera fundamentais as seguintes medidas:

I – Promover uma maior participação dos cidadãos na vida pública e política, nomeadamente em torno de um grande projecto para Portugal como o da União Lusófona, que os convoque para uma causa que transcende o imediatismo, o economicismo e os interesses dos partidos e dos grupos em luta pelo poder. Mobilizar os cidadãos indiferentes e descrentes da vida política, a enorme percentagem de abstencionistas e todos aqueles que se limitam a votar, para a responsabilidade de discutirem e criarem o melhor destino a dar à nação.

II - Sensibilizar os cidadãos e as instituições públicas e privadas para a importância e vantagens do projecto da União Lusófona, a nível cultural, social, político e económico. Promover a discussão pública desta proposta e uma cultura da consciência lusófona e universalista que enriqueça a nossa própria integração na União Europeia, tornando-nos parceiros activos na abertura da consciência europeia à cultura planetária.

III - Promover para esse fim formas alternativas de intervenção cultural, social e cívica, que permitam antecipar quanto possível a realidade desejada, sem depender dos poderes instituídos, dentro dos quadros democráticos e legais. Sem rejeitar os habituais meios de intervenção política, o Movimento Internacional Lusófono apela à e apoia a constituição de grupos cívicos ou confrarias laicas que sejam núcleos de discussão, divulgação e realização deste projecto, em Portugal e em todo o espaço lusófono, incluindo a emigração.

IV – Libertar a nossa vida mental, social e política da actual mediocridade, estagnação e submissão a interesses particularistas, partidários e dos grupos económicos, repondo-a ao serviço da cultura e de uma ética do bem comum.

V – Regenerar a democracia em Portugal, reformando o estado segundo modelos que fomentem a ampla participação política da sociedade civil. Recuperar a tradição municipalista portuguesa, promover uma regionalização e descentralização administrativa equilibradas, assegurando mecanismos de prevenção e controlo dos caciquismos locais.

VI – Assegurar o predomínio da ética e da política sobre a economia, de modo a que a produção e distribuição da riqueza vise o bem comum e a satisfação das necessidades básicas das populações. Explorar as potencialidades de formas de organização económica cujo objectivo fundamental não seja o lucro financeiro. Oferecer alternativas ao produtivismo e consumismo, fazendo do trabalho não um fim em si, mas um meio para a fruição do tempo livre de modo mais gratificante e criativo.

VII – Promover a sustentabilidade económica do país, desenvolvendo as economias locais e respeitando a harmonia ambiental.

VIII - Substituir quanto possível as energias não-renováveis (petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear), por energias renováveis e alternativas (solar, eólica, hidráulica, marmotriz, etc.), superando o paradigma de uma economia baseada no petróleo e nos hidro-carbonetos.

IX - Dar prioridade, em todos os domínios da economia, da política e da investigação, às preocupações ambientais e ecológicas. Proteger os direitos dos animais e promover o seu cumprimento.

X - Assegurar um serviço público de saúde eficiente e acessível a todos, que inclua a possibilidade de opção por medicinas alternativas.

XI – Redignificar, com exigência, os professores e todos os profissionais ligados à educação, tornando esta e a cultura – não só tecnológica, mas filosófica, literária, artística e científica - o investimento estratégico do Orçamento de Estado e da governação. Os vários níveis de ensino visarão a formação integral da pessoa, não a sacrificando a uma mera especialização profissional. Neles haverá uma forte presença da cultura portuguesa e lusófona, bem como das várias culturas planetárias. Um português culto e bem formado deve ter uma consciência lusófona e universal, não apenas europeia-ocidental.

XII - Promover sem inibições a cultura portuguesa e lusófona no espaço internacional. Assegurar a tradução para inglês de textos fundamentais da nossa cultura e publicar, em conjunto com as nações lusófonas, uma revista bilingue, português-inglês, destinada a divulgar em todo o mundo os seus aspectos mais singulares e universais. Estreitar relações com os lusófilos estrangeiros e com todos os povos, culturas e movimentos que tenham características e projectos convergentes.

XIII - Implementar o Acordo Ortográfico, importante instrumento da consciência lusófona e da sua afirmação internacional.

XIV – Celebrar acordos com as nações lusófonas que promovam estratégias económicas conjuntas, sobretudo a nível comercial. Facilitar e proteger, mediante o levantamento das barreiras alfandegárias e fiscais, o comércio e a circulação de produtos em todo o mundo lusófono, com urgente destaque para os produtos culturais.

XV – Chegar gradualmente a um acordo que permita a livre-circulação dos cidadãos em todos os estados da comunidade lusófona.

XVI - Criar um Programa “Agostinho da Silva” que promova a circulação dos estudantes das nações lusófonas, de licenciatura e pós-graduação, nas universidades do espaço lusófono, começando por Portugal e Brasil.

Se quiser aderir a este Movimento ou formar um “Núcleo MIL”, envie-nos um mail para novaaguia@gmail.com . Visite também o nosso blogue: novaaguia.blogspot.com

Isabel Rosete - divulgação e participação